Page 185 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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CAPÍTULO 20
    A MORTE DE SANTINO CORLEONE causou enorme sensação no submundo do país. E
  quando se soube que Don Corleone se levantara de sua cama de enfermo para assumir a direção
  dos negócios da Família, quando os espiões presentes ao enterro informaram que Don Corleone
  parecia estar plenamente  recuperado,  os  chefes  das  cinco  Famílias  empreenderam  frenéticos
  esforços  para  preparar  a  defesa  contra  a  sangrenta  guerra  de  represálias  que  certamente
  sobreviria.  Ninguém  cometia  o  erro  de  subestimar  Don  Corleone  por  causa  de  suas  últimas
  adversidades. Ele era um homem que tinha cometido apenas poucos erros em sua carreira e
  havia aprendido com cada um deles.
    Somente Hagen pressentia as verdadeiras intenções de Don Corleone e não ficou surpreso
  quando emissários foram enviados às cinco Famílias para propor paz. Não somente para propor
  paz,  mas  também  uma  reunião  de  todas  as  Famílias  da  cidade  e  com  convites  para  que
  comparecessem as Famílias de toda parte dos Estados Unidos. Como as Famílias de Nova York
  eram as mais poderosas do país, compreendia-se que o bem-estar delas afetaria as do país em
  geral.
    A princípio houve desconfiança. Será que Don Corleone estava preparando uma armadilha?
  Será  que  estava  procurando  encontrar  os  inimigos  sem  a  guarda  deles?  Será  que  tencionava
  preparar um massacre total para vingar o filho? Mas Don Corleone logo tornou claro que estava
  sendo sincero. Não somente envolveu todas as Famílias do país na reunião, mas também não fez
  qualquer movimento no sentido de pôr a sua própria gente em pé de guerra nem de conquistar
  aliados. E então deu o passo final irrevogável que estabeleceu a autenticidade de suas intenções e
  garantiu a reunido do grande conselho. Ele invocou os serviços da Família Bocchicchio.
    A  Família  Bocchicchio  era  única  pelo  fato  de  que,  tendo  sido  outrora  um  ramo
  particularmente feroz da Máfia na Sicília, tornara-se um instrumento de paz na América. Outrora
  um  grupo  de  homens  que  ganhava  a  vida  por  meio  de  uma  determinação  selvagem,  agora
  ganhava  a  vida  por  um  meio  que  talvez  pudesse  ser  chamado  santo.  O  único  acervo  dos
  Bocchicchio  era  uma  estrutura  bem  consolidada  e  de  relações  consangüíneas,  uma  lealdade
  familiar  severa,  mesmo  para  uma  sociedade  em  que  a  lealdade  familiar  estava  acima  da
  lealdade à esposa.
    A Família Bocchicchio, estendendo-se até os primos em terceiro grau, tinha outrora atingido
  quase o número de duzentos membros, quando dirigia a economia de uma pequena região da
  Sicília meridional. A renda da família inteira provinha de quatro ou cinco moinhos de farinha de
  trigo,  de  forma  alguma  de  propriedade  comunal,  mas  garantindo  trabalho,  sustento  e  uma
  segurança  mínima  para  todos  os  membros  da  Família.  Isso  era  bastante,  com  os  casamentos
  entre si, para que eles apresentassem uma frente comum contra os inimigos.
    Nenhum moinho concorrente, nenhuma represa que criasse um abastecimento de água para
  os  seus  concorrentes  ou  arruinasse  a  sua  própria  venda  de  água  tinha  permissão  para  ser
  construído no seu cantinho da Sicília. Um poderoso barão proprietário de terras, certa vez, tentou
  construir seu próprio moinho estritamente para seu uso pessoal. O moinho foi destruído por um
  incêndio. Ele chamou os carabinieri e autoridades mais altas, que prenderam três membros da
  Família Bocchicchio. Mesmo antes do julgamento, a casa senhorial do barão foi incendiada. O
  pronunciamento e as acusações foram retirados. Alguns meses depois, um alto fui do governo
  italiano  chegou  à  Sicília  e  procurou  resolver  a  crônica  falta  de  água  dessa  ilha,  propondo  a
  construção de uma grande represa. Engenheiros vieram de Roma para fazer os levantamentos
  necessários,  sendo  olhados  por  nativos  mal-encarados,  membros  do  clã  dos  Bocchicchio.  A
  polícia tomou conta da área, abrigada num quartel especialmente construído para este fim.
    Parecia que nada poderia impedir a construção da represa, e material e equipamento foram
  realmente desembarcados em Palermo. Isso foi o máximo que conseguiram. Os Bocchicchio
  entraram em contato com os outros chefes da Máfia e firmaram acordos para receber ajuda
  deles.  O  equipamento  pesado  foi  sabotado  e  o  leve  roubado.  Os  deputados  da  Máfia  no
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