Page 238 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Kay o viu primeiro pela janela da cozinha. Um carro parou na frente da casa, dele saltaram
dois homens seguidos de Michael. Ele endireitou-se para falar com um dos outros homens. O seu
perfil esquerdo ficou exposto à vista dela. Estava quebrado, amassado, era como o rosto de uma
boneca que uma criança tivesse pisado de propósito. De modo curioso, para os olhos de Kay, isso
não tirava a beleza dele, mas comovia-a até às lágrimas. Ela o viu levar um lenço branco á boca
e ao nariz por um momento, enquanto se virava para entrar na casa.
Kay ouviu a porta se abrir e os passos dele no corredor virando para entrar na cozinha e de
repente Michael estava no espaço aberto, olhando para ela e sua mãe. Michael parecia
impassível e depois sorriu, sendo que a parte quebrada do seu rosto impedia a abertura normal de
sua boca. E Kay, que pretendia apenas dizer: “Alô, como vai você?” da maneira mais fria
possível, levantou-se bruscamente da cadeira para correr para os seus braços e enterrou o rosto
no ombro dele. Michael beijou a face molhada de Kay e segurou-a até que ela terminou de
chorar, e então a levou até o seu carro, enquanto ela com um lenço limpava o que restava da
maquilagem de seu rosto.
— Eu não pretendia fazer aquilo — disse Kay. — Apenas é que ninguém me disse como eles
o haviam machucado.
Michael riu e tocou no lado quebrado de seu rosto.
— Você quer dizer isso? Não é nada. Apenas me traz alguma complicação no nariz. Agora
que estou em casa, provavelmente vou tratar disso. Eu não podia escrever para você nem dar
notícias — declarou Michael. — Você precisa compreender isso antes de tudo.
— Está bem — respondeu ela.
— Tenho um cantinho na cidade — disse Michael. Você acha que devemos ir lá ou prefere
jantar e beber num restaurante?
— Não estou com fome — respondeu Kay.
Foram de carro para Nova York, em silêncio durante algum tempo.
— Você se formou? — perguntou Michael.
— Sim — respondeu Kay. — Estou agora lecionando numa escola primária na minha
cidadezinha. Acharam o homem que realmente matou o capitão da polícia, e foi por isso que
você pôde voltar para casa?
— Sim, acharam — respondeu afinal. — Saiu em todos os jornais de Nova York. Você não
leu sobre o caso?
Kay riu com o alívio dele ao negar que fosse um assassino.
— Só recebemos o Times de Nova York em nossa cidade —disse ela. Acho que a noticia
estava escondida lá na página 39. Se eu a tivesse lido teria telefonado para sua mãe.
Ela fez uma pausa, depois acrescentou:
— É engraçado o modo como sua mãe falava, quase acreditei que você o tivesse cometido.
E justamente antes de você chegar, enquanto tomávamos café, ela me contou a respeito daquele
homem louco que confessou o crime.
— Talvez minha mãe acreditasse naquilo a pricípio — justificou Michael.
— A sua própria mãe? — perguntou Kay.
Michael respondeu arreganhando os dentes:
— As mães são como os polícias. Acreditam sempre no pior.
Michael estacionou o carro numa garagem da Mulberry Street, onde o dono parecia
conhecê-lo. Levou Kay até a esquina para o que parecia ser uma casa de arenito pardo bastante
velha e bem adequada ao bairro em decadência. Michael tinha a chave da porta da frente, e
quando entraram, Kay viu que era uma residência de milionário guarnecida de móveis caros e
confortáveis. Michael conduziu-a ao apartamento do pavimento superior, que consistia numa
enorme sala de estar, uma ampla cozinha e uma porta que dava para o quarto. Num canto da
sala de estar, havia um bar, para o qual Michael se dirigiu, a fim de preparar uma bebida para os
dois. Em seguida, sentaram-se juntos num sofá, e Michael disse calmamente: