Page 250 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Há  cerca  de  um  ano,  Johnny  Fontane  estava  sentado  no  luxuoso  escritório  da  companhia
  cinematográfica que dirigia, e se sentia entediado como nunca se sentira na vida. O que era de
  admirar, pois o primeiro filme que produzira, tendo ele próprio como galã e Nino num papel
  destacado, estava fazendo montanhas de dinheiro. Tudo funcionara bem. Todos desempenharam
  bem sua tarefa. O filme fora produzido abaixo do orçamento prefixado. Todo mundo ia ganhar
  uma fortuna com ele, e Jack Woltz estava perdendo dez anos de sua vida. Agora Johnny tinha
  mais dois filmes em produção, sendo que ele teria o principal papel num deles e Nino no outro.
  Nino era grande na tela como um desses jovens galãs encantadores, fascinantes, que as mulheres
  gostavam de acariciar entre os seios. Pobre menino perdido! Tudo o que tocava transformava-se
  em dinheiro, que entrava a rodo. O Padrinho ganhava a sua percentagem através do banco, e isso
  fazia Johnny sentir-se bem. Ele justificara a fé do Padrinho. Mas no momento aquilo não estava
  ajudando muito.
    E agora. que ele era um vitorioso produtor cinematográfico independente, tinha tanto poder,
  talvez mais do que tivera como cantor. Mulheres bonitas caíam em cima dele tal como antes,
  embora  por  um  motivo  mais  comercial.  Ele  possuía  o  seu  próprio  avião,  vivia  até  mais
  perdulariamente, com os rendimentos especiais que um homem de negócios tem que os artistas
  não possuem. Então, que diabo o estava aborrecendo?
    Johnny sabia o que era. A parte frontal da cabeça lhe doía, as passagens nasais lhe doíam, a
  sua garganta comichava. O único meio pelo qual ele podia coçar e aliviar essa comichão era
  cantando, e ele tinha medo até de cantar. Telefonara para Jules Sega! a respeito, perguntando
  quando poderia tentar cantar, e Jules respondera que a qualquer momento que tivesse vontade.
  Assim, ele tentara, e a voz soara tão áspera e horrorosa que desistira. E a sua garganta doeria
  como o diabo no dia seguinte, doeria de modo diferente daquele como antes de serem tiradas as
  verrugas. Doeria mais, queimaria. Johnny tinha medo de continuar a cantar, medo de perder a
  voz para sempre ou de arruiná-la.
    E se ele não podia cantar, que diabo valia o resto? O resto era merda. Cantar era a única
  coisa que ele sabia. Talvez soubesse mais sobre canto e seu tipo de música do que qualquer outra
  pessoa no mundo. Ele era muito bom, agora compreendia isso. Todos esses anos fizeram dele um
  verdadeiro profissional. Ninguém precisava dizer-lhe o que era certo ou errado, ele não tinha de
  perguntar a ninguém. Ele sabia. Que desperdício, que maldito desperdício.
    Era sexta-feira, e resolvera passar o fim de semana com Virginia e as meninas. Telefonara
  para  ela,  como  sempre  fazia,  para  preveni-la  de  sua  visita.  Na  verdade,  para  dar-lhe  a
  oportunidade de dizer “não”. Ela nunca dizia “não”. Nem uma só vez em todos esses anos em
  que estavam divorciados. Por que ela jamais diria “não” a um encontro das suas filhas com o
  pai.
    Que mulher!, pensava Johnny. Ele dera sorte com Virginia. E embora soubesse que gostava
  mais  dela  do  que  de  outra  mulher,  sabia  que  era  impossível,  para  eles,  viverem  sexualmente
  juntos. Talvez quando tivessem 65 anos de idade, quando as pessoas geralmente se aposentam,
  eles se aposentassem juntos.
    Mas a realidade destruiu esses belos pensamentos, quando ele chegou na casa da ex-esposa e
  verificou que Virginia estava um pouco rabugenta e as duas meninas não se sentiam loucas para
  vê-lo, porque tinham prometido passar o fim de semana com algumas amigas numa fazenda da
  Califórnia onde poderiam andar a cavalo.
    Ele  disse  a  Virginia  que  mandasse  as  meninas  para  a  fazenda  e  deu-lhes  um  beijo  de
  despedida com um sorriso de satisfação. Johnny as compreendia bem. Que criança não gostaria
  mais de andar a cavalo numa fazenda do que ficar junto de um pai rabugento que escolhia seus
  próprios momentos de ser pai? Ele falou para Virginia:
    — Vou tomar uns tragos e depois me arranco também.
    — Está bem — respondeu ela.
    Ela estava num daqueles seus maus dias, raros, mas que ocorriam de vez em quando. Não
  era fácil, para ela, levar aquele tipo de vida.
    Ela o viu tomar uma dose extraordinariamente grande de bebida.
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