Page 252 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Johnny entrou na sala de estar com paredes de vidro onde se encontrava um piano. Quando
cantava com a banda, ele brincava com o piano apenas para se divertir, assim podia escolher
uma canção num estilo de balada meio romântica. Sentou-se e começou a cantarolar um pouco,
acompanhando-se ao piano, muito suavemente, murmurando algumas palavras, mas não
cantando realmente. Antes que ele percebesse, Tina entrou na sala de estar preparando-lhe uma
bebida e sentando-se ao seu lado ao piano. Johnny tocou algumas melodias e ela cantarolou com
ele. Ele a deixou no piano e subiu para tomar o seu banho de chuveiro. No banheiro, ele cantou
algumas frases curtas, quase que falando. Vestiu-se e depois desceu. Tina estava ainda sozinha;
Nino estava realmente “castigando” a sua garota ou embriagando-se.
Johnny sentou-se ao piano novamente, enquanto Tina dava uma voltinha lá fora para ver a
piscina. Ele começou a cantar uma de suas velhas canções. Não havia ardência em sua garganta.
Os tons saíam abafados, mas na intensidade correta. Ele olhou para o pátio. Tina ainda estava lá,
a porta de vidro estava fechada, ela não o ouviria. Por algum motivo, ele não queria que ninguém
ouvisse. Começou a cantar uma velha balada de sua preferência. Cantou bem alto como se
cantasse em público, deixando a voz correr normalmente, esperando que a ardência habitual
começasse a irritar-lhe a garganta, mas não sentiu nada. Prestou atenção à sua voz, estava um
pouco diferente, mas ele gostou. Era mais grave, era a voz de um homem, não de uma criança,
rica, pensou ele, embora mais gutural. Terminou a canção de modo cada vez mais lento e
sentou-se ao piano pensando no assunto.
Atrás dele Nino gritou:
— Você não se saiu mal, companheiro, realmente, não se saiu mal.
Johnny virou o corpo. Nino estava postado no vão da porta, sozinho. A sua garota não estava
com ele. Johnny sentiu um alívio. Ele não se incomodava que Nino o ouvisse.
— Sim — disse Johnny. — Vamo-nos livrar dessas duas zinhas. Mande-as para casa.
— Você é quem deve mandá-las embora — retrucou Nino. — São boas garotas, não quero
melindrá-las. Além disso, trepei duas vezes com a minha. Como é que posso mandá-la embora
sem ao menos dar-lhe de jantar?
O diabo com aquilo, pensou Johnny. Que as garotas ouvissem mesmo que ele cantasse
horrorosamente. Ele telefonou para o diretor de uma banda que conhecia em Palm Springs e
pediu-lhe que mandasse um bandolim para Nino. O diretor da banda protestou:
— Diabo, ninguém toca bandolim aqui na Califórnia.
— Quero que você arranje um! — berrou Johnny.
A casa estava cheia de equipamento de gravação, e Johnny fez as duas garotas manobrarem
o botão de ligar e desligar e o do volume. Depois do jantar, Johnny foi trabalhar. Fez Nino tocar o
bandolim como acompanhamento e cantou todas as suas velhas canções. Cantou todas elas do
começo ao fim, não poupando absolutamente a voz. A sua garganta estava ótima, ele sentia que
podia cantar toda a vida. Nos meses em que não pudera cantar, ele às vezes pensava como
deveria cantar, como deveria pronunciar a letra da canção de um modo diferente, agora que não
era mais criança. Cantara as canções em sua cabeça com variações de ênfase mais
complicadas. Agora ele estava fazendo realmente aquilo. As vezes, saia errado no canto real,
uma coisa que parecia boa quando ele a ouvia em sua cabeça; não saía bem quando procurava
cantar em voz alta. Bem alto, pensava ele. Johnny não ouvia a si mesmo agora, ele se
concentrava em cantar. Atrapalhava-se um pouco com o ritmo, mas isso estava bem, apenas a
voz era um pouco gutural. Ele tinha um metrônomo na cabeça que nunca falhava. Precisava
apenas de um pouco de prática.
Finalmente parou de cantar. Tina veio em sua direção com os olhos brilhando e deu-lhe um
beijo demorado.
— Agora sei por que mamãe vai assistir a todos os seus filmes — disse ela.
Era uma coisa errada para se dizer em qualquer momento, menos naquele. Johnny e Nino
deram uma gargalhada.
Tocaram a fita de gravação e agora Johnny pôde ouvir realmente a si mesmo. A sua voz