Page 247 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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firmemente para que ele não se mexesse e mergulhou a agulha no ombro, na parte em que se
unia com o pescoço. Nino caiu mole em suas mãos, as arfadas do seu corpo abrandaram e após
um momento ele arriou novamente no travesseiro. Seus olhos se fecharam; adormeceu
profundamente.
Johnny, Lucy e Jules voltaram para a sala de estar do apartamento e sentaram-se em volta
da enorme e sólida mesa de café. Lucy pegou um dos telefones de água-marinha e pediu que
mandassem café e alguma coisa para comer. Johnny tinha ido até o bar e misturava uma bebida
para si mesmo.
— Você sabia que ele teria essa reação após tomar o uísque? — indagou Johnny.
Jules deu de ombros.
— Eu tinha plena certeza disso — afirmou.
— Então por que você não me avisou? — perguntou Johnny asperamente.
— Eu lhe avisei — respondeu Jules.
— Você não me avisou direito — retrucou Johnny com raiva. — Você é realmente um
diabo de médico. Não tem pena de nada. Você me diz para levar Nino para um hospício, você
nem sequer se preocupa em usar uma palavra mais branda como sanatório. Você gosta de fato
de atormentar as pessoas, não é verdade?
Lucy estava olhando para baixo, para o seu colo. Jules continuava a rir para Johnny Fontane.
— Nada iria impedir você de dar aquela bebida a Nino. Você precisava mostrar que não
tinha de aceitar meus avisos, minhas ordens. Lembra-se quando você me ofereceu um emprego
como seu médico particular depois daquele negócio da garganta? Rejeitei porque sabia que você
jamais levaria a coisa a sério. Um médico pensa que é Deus, ele é o sumo sacerdote na
sociedade moderna, esta é uma de suas recompensas. Mas você jamais me trataria desse modo.
Eu seria um Deus lacaio para você. Como os médicos que vocês têm em Hollywood. Onde
vocês arranjam essa gente, de qualquer modo? Meu Deus, eles não sabem nada ou apenas não se
importam? Eles devem saber o que está acontecendo com Nino, mas vão-lhe dando apenas todo
o tipo de droga para que ele continue a viver. Usam aquelas roupas de seda e o bajulam porque
você é um poderoso homem do cinema e você pensa que eles são grandes sumidades. Artistas,
diretores, produtores, médicos, vocês têm coração? Certo? Mas eles pouco se importam que
vocês vivam ou morram. Bem, eu tenho a pequena mania, por imperdoável que ela seja, de
manter vivas as pessoas. Deixei você dar aquela bebida a Nino para lhe mostrar o que poderia
acontecer.
Jules inclinou-se para Johnny Fontane e voltou a falar com a voz ainda calma, fria:
— O seu amigo está quase no fim da linha. Será que você entende isso? Ele não tem qualquer
possibilidade sem terapia e cuidado médico rigoroso. A sua pressão sanguínea, diabetes e maus
hábitos podem causar-lhe uma hemorragia cerebral até daqui a poucos instantes. O seu crânio
poderá explodir. Isso bastante claro para você? De fato, eu disse hospício. Quero que você
compreenda o que é necessário. Ou você não dará um passo sequer. Vou-lhe falar claramente.
Você pode salvar a vida de seu companheiro, se interná-lo num lugar apropriado. Do contrário,
pode dizer-lhe adeus.
— Jules, querido — disse Lucy em voz baixa — não seja tão duro Apenas diga a ele o que
tem de dizer.
Jules levantou-se. A sua frieza habitual tinha desaparecido, Johnny Fontane notou com
satisfação. A sua voz também tinha perdido sua monotonia não-acentuada.
— Você pensa que esta foi a primeira vez que tive de falar a gente como você numa
situação como essa? — perguntou Jules. — Eu fazia isso todo dia. Lucy pede para eu não ser
duro, mas ela não sabe do que está falando. Você sabe, eu costumava dizer às pessoas que não
comessem tanto ou morreriam, que não fumassem tanto ou morreriam, que não trabalhassem
tanto ou morreriam, que não bebessem tanto ou morreriam. Ninguém ouvia. Você sabe por quê?
Porque eu não digo: “Você morrerá amanhã.” Bem, posso dizer-lhe que Nino pode muito bem
morrer amanhã.