Page 44 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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A voz transmitida pelo fio era irreconhecível, denunciando ódio e paixão.
    — Seu canalha ordinário! — gritou Woltz — Vou pôr vocês todos na cadeia por cem anos.
  Vou gastar até o último níquel para arrasar vocês. Vou mandar arrancar os colhões de Johnny
  Fontane, está-me ouvindo, seu car mano ordinário?
    Hagen respondeu amavelmente:
    — Eu sou tento-irlandês.
    Houve uma longa pausa e depois o estalo do telefone sendo desliga Hagen sorriu. Nem uma
  só  vez  Woltz  pronunciou  qualquer  ameaça  ao  próprio  Don  Corleone.  O  gênio  tinha  suas
  recompensas.
    Jack Woltz sempre dormia só. Tinha uma cama bastante grande para caber dez pessoas e um
  quarto de dormir bastante amplo para uma cena cinematográfica de dança, mas dormia sozinho
  desde  a  morte  de  sua  primeira  mulher,  dez  anos  antes.  Isso  não  quer  dizer  que  ele  não  mais
  usasse mulheres. Era um homem fisicamente vigoroso apesar de sua idade, mas agora só podia
  ser excitado por mocinhas muito novas e aprendera que algumas horas da noite eram tudo o que
  a juventude do seu corpo e sua paciência podiam tolerar.
    Naquela terça-feira, por algum motivo, acordara cedo. A luz da manhã tornava seu enorme
  quarto  tão  embaçado  quanto  uma  campina  enevoada.  A  certa  distância  no  pé  de  sua  cama,
  estava uma coisa de forma familiar, e Woltz moveu-se com dificuldade apoiado nos cotovelos
  para conseguir uma visão  mais  clara.  Tinha  a  forma  de  uma  cabeça  de  cavalo.  Ainda  tonto,
  Woltz estendeu a mão para alcançar a lâmpada de cabeceira e acendeu-a.
    O choque do que viu tornou-o fisicamente doente. Parecia que um grande martelo o havia
  atingido  no  peito,  o  seu  coração  começou  a  bater  estranhamente  e  ele  sentiu  náuseas.  O  seu
  vômito respingou no tapete de gosto grosseiro.
    Separada do corpo, a sedosa cabeça preta do grande cavalo Khartoum estava colada num
  espesso  coágulo  de  sangue.  Viam-se-lhe  os  tendões  brancos  e  delgados.  Espuma  cobria-lhe  o
  focinho,  e  seus  olhos  grandes  como  maçãs  que  haviam  brilhado  como  ouro  se  apresentavam
  manchados,  lembrando  uma  fruta  podre,  de  sangue  morto,  em  conseqüência  da  hemorragia.
  Woltz  foi  atacado  por  um  terror  puramente  animal,  e  sob  o  efeito  desse  terror,  gritou  pelos
  criados, em seguida, telefonou para Hagen, fazendo ameaças descontroladas. Seu delírio insano
  alarmou o mordomo, que telefonou para o médico particular de Woltz e para o seu substituto
  eventual no estúdio. Mas Woltz recuperou os sentidos antes de eles chegarem.
    Woltz estava profundamente chocado. Que espécie de homem poderia destruir um animal
  que valia seiscentos mil dólares? Sem uma palavra de advertência. Sem qualquer possibilidade de
  negociação  para  que  o  ato,  a  sua  ordem,  pudesse  ser  revogado.  A  crueldade  e  a  falta  de
  consideração por qualquer valor implicavam um homem que considerava a si próprio como a
  sua própria lei, até como seu próprio Deus. E seu poder e astúcia eram tão grandes que tornaram
  impotentes as severas medidas adotadas para a segurança das cocheiras. Pois àquela hora Woltz
  já sabia que o cavalo tinha sido obviamente narcotizado com uma forte dose antes que alguém
  calmamente  cortasse  a  cabeça  do  animal  com  um  machado.  Os  homens  encarregados  da
  vigilância noturna afirmaram que não ouviram nada. Para Woltz isso parecia impossível. Era
  preciso  fazê-los  falar.  Eles  se  haviam  vendido  e  era  preciso  fazê-los  dizer  quem  os  havia
  comprado.
    Woltz não era burro, era apenas supremamente egoísta. Ele se havia enganado ao pensar que
  o poder de que dispunha fosse maior do que o poder de Don Corleone. Necessitava apenas de
  alguma prova de que isso não era verdade. Ele entendera essa mensagem. De que, apesar de sua
  riqueza, apesar de toda a sua intimidade com o Presidente dos Estados Unidos, apesar de todas as
  pretensões de amizade com o diretor do FBI, um obscuro importador de azeite italiano o teria
  assassinado, o teria “realmente” assassinado! Porque ele não desejava dar a Johnny Fontane o
  papel  cinematográfico  que  ele  queria.  Era  incrível.  Ninguém  tinha  o  direito  de  agir  dessa
  maneira. Não poderia haver qualquer espécie de mundo se as pessoas agissem dessa maneira.
  Era  loucura.  Significava  que  o  indivíduo  não  podia  fazer  o  que  quisesse  com  o  seu  próprio
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