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O PROJETO DE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL
Tudo indica que o projeto era guiado por propósitos Seria esse o caminho mais flexível para a revitalização:
mercadológicos, e que não reservava nenhum papel o turismo incrementado de forma sustentável. Até
à população local nessa transformação. A vontade porque, além do patrimônio arquitetônico, o turista
da comunidade de se fazer presente e de conquistar deve apreciar a produção individual e coletiva realizada
melhorias sociais no centro era apenas um sonho. A pelos moradores. O patrimônio de qualquer localidade
realidade estava posta. Entram em debate, então, os não se constitui apenas de “pedra e cal”, de fachadas de
“efeitos perversos” dessa revitalização, que “requalifica” prédios, mas também do saber fazer dos seus habitantes.
os espaços antigos, mas não as pessoas que os ocupam. O Pelourinho sem os moradores perde, certamente, a
vitalidade e petrifica, forja uma identidade figurativa
O Centro Histórico revitalizado para atrair os olhares
em favor dos interesses econômicos. Seguindo essa
do “outro” era o mais importante. A memória social foi
compreensão, Françoise Choay, em sua obra A alegoria
desconsiderada e esquecida pelo poder da indústria
do patrimônio (2001), afirma que a ânsia de valorização
cultural que, em nome do turismo, enxerga apenas os
para a exploração acaba excluindo os residentes.
meios de desenvolvimento capazes de gerar renda,
sobrevivência e futuro econômico para a cidade. No entanto, em 17 de junho de 1979, o Jornal da Bahia
Que cidade é esta, rica em patrimônio cultural, que trouxe a manchete: Pelourinho – dez anos depois, a mesma
pretende sobreviver sem a participação de sua própria questão – o turismo ou a comunidade? Ou seja, a falta de
população? A valorização do patrimônio cultural no discussão, de planejamento inclusivo e de participação
Centro Histórico era realmente imprescindível, mas popular repercutiu ao longo de duas décadas e as
não deveria contrariar os anseios de seus habitantes, intenções ficaram apenas no papel. Com o propósito
sujeitos históricos. O então presidente do Instituto do de rediscutir e alavancar o projeto de recuperação, o
Patrimônio Artístico Cultural da Bahia – Ipac, Mário professor Vivaldo Costa Lima, diretor do Ipac, insistia
Mendonça, sabia disso, conforme se verifica por suas publicamente que:
declarações ao jornal O Globo, publicadas em 19 de
agosto de 1976: o Pelourinho não é do turista. trata-se de conservar
e restaurar o maior conjunto arquitetônico do
o plano deve buscar atender, sobretudo, aos Brasil, preservando a sua estrutura física, mas ao
moradores da cidade, ficando o incremento do mesmo tempo melhorando as condições de vida e
turismo como consequência do trabalho feito […]. de suas moradias. o turismo é uma consequência.
reconheço a importância do turismo, mas guardo […] para o turismo será melhor um Pelourinho
algumas reservas quanto ao aspecto cultural. É que, livre do lixo, da escuridão, da sujeira e da miséria,
em quase todo o mundo é o turismo que carrega com seus prédios veneráveis. […] os turistas serão
a cultura a reboque, quando deveria ocorrer o beneficiados como os moradores, mas estes é que
contrário, ou seja, o desenvolvimento cultural é que devem ter em primeiro lugar os benefícios dessa
206 teria de atrair o interesse dos turistas. reforma (Jornal da Bahia, 1979).
ArqueologiA no Pelourinho