Page 165 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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procedimento comum é imprescindível para a democratização do processo civil, pois evita que o
tempo seja tratado de forma diferenciada apenas diante dos procedimentos especiais, que, como o
próprio nome indica, preocupam-se apenas com situações especiais, esquecendo que a questão da
distribuição do tempo é vital diante de toda e qualquer situação litigiosa concreta.
Afigura-se completamente irracional obrigar o autor a sofrer com a demora quando, por exemplo,
os fatos constitutivos são provados por meio de documento e o réu apresenta defesa de mérito indireta
infundada que exige instrução dilatória. Para que impere a igualdade no processo é preciso que o
tempo seja isonomicamente distribuído entre os litigantes. O tempo deve ser repartido no
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procedimento de acordo com o índice de probabilidade de que o autor tenha direito ao bem
disputado. Esta probabilidade está associada à evidência do direito do autor e à fragilidade da defesa
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do réu. Quando o direito do autor é evidente e a defesa do réu carece de seriedade, surge a tutela da
evidência como técnica de distribuição do ônus do tempo do processo, pois de outra forma uma defesa
abusiva estará protelando a tutela jurisdicional do direito.
1.3. A Falsidade do Princípio da Nulla Executio Sine Titulo Diante do Conflito entre o Direito à
Tutela Tempestiva e o Direito à Cognição Definitiva
A teoria processual clássica, ao conceituar os processos, chamou de processo de conhecimento o
destinado a verificar a existência do direito e de processo de execução o voltado a realizar o direito
declarado pelo primeiro. O processo de conhecimento deveria averiguar a existência do direito
alegado para que o juiz pudesse declarar (ou não) a existência do direito afirmado, sendo que a
execução somente poderia iniciar após o término do processo de conhecimento.
O que importa, para bem situar o problema, é que a execução teria como pressuposto a declaração
do direito ou a coisa julgada material. A coisa julgada material, nesta dimensão, foi considerada o
fundamento lógico-jurídico da execução. Se o trânsito em julgado da sentença seria imprescindível
para a formação do título executivo judicial, nenhuma diferença poderia haver em se falar que a coisa
julgada é o fundamento lógico-jurídico da execução ou que esta depende de uma sentença transitada
em julgado.
O princípio da nulla executio sine titulo foi concebido para deixar claro que a execução não poderia
ser iniciada sem título, que deveria conter em si um direito já declarado ou não mais passível de
discussão. O pensamento clássico pode ser compreendido através da seguinte lição de Carlo Furno: “A
impossibilidade de recorrer diretamente à via executiva e a necessidade consequente de obter um
título executivo judicial através de um processo de conhecimento se explicam facilmente pela
existência de uma situação jurídica substancial caracterizada pelo elemento de incerteza. Com base
neste pressuposto, dada a necessidade de se eliminar a incerteza sobre a situação jurídica substancial,
a ação não pode ser exercitada senão em via declaratória, a fim de que o antecedente lógico-jurídico da
execução, que é a aptidão da ação para ser exercida ‘in executivis’, encontre sua base na declaração e
sua realização na criação do título que condiciona a instauração da via executiva”. 6
Como se vê, há aí uma associação muito íntima e evidente entre “descoberta da verdade”,
realização plena do princípio do contraditório, declaração, coisa julgada material e título executivo
judicial. Atrás do princípio da nulla executio sine titulo está escondida a ideia de que a esfera jurídica
do devedor não pode ser atingida sem a descoberta da verdade e a realização plena do princípio do
contraditório.
De qualquer forma, a ideia de que a execução depende do exaurimento do processo de
conhecimento está ligada à premissa de que o juízo de cognição sumária, exatamente por ser um juízo
que postecipa o direito de defesa, não é suficiente para a instauração da execução. A execução, neste