Page 167 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Como demonstra Roger Perrot, a provision não requer o requisito da urgência e o juiz não pode
                  exigir  uma  incontestabilidade  absoluta,  sob  pena  de  restringir  abusivamente  o  domínio  do  référé
                  provision.  O référé provision, assim, é uma forma de tutela dos direitos evidentes.
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                     Um direito é evidenciado de pronto quando é demonstrado desde logo. Para a tutela da evidência,
                  contudo, são necessárias a evidência do direito do autor e a fragilidade da defesa do réu, não bastando
                  apenas a caracterização da primeira. A defesa deve ser frágil, de modo que o seu exercício, ao dilatar a
                  demora  do  processo,  configure  abuso.  Note-se,  aliás,  que  de  lado  o  inciso  I  do  art.  311  –  que  fala
                  expressamente em abuso de direito de defesa –, os demais incisos deste artigo representam hipóteses
                  em que o direito é evidente e a defesa de mérito deve ser frágil.

                     1.5. Evidência dos Fatos Constitutivos, Inconsistência da Defesa e Distribuição do Ônus do
                  Tempo Processo
                     O processo – ou fase do processo – em que se “declara” a tutela do direito é fundado no princípio de
                  que o autor deve provar o fato constitutivo do direito que alega possuir e o réu deve provar o eventual
                  fato  impeditivo,  modificativo  ou  extintivo  afirmado  na  contestação.  É  o  que  evidencia  o  art.  373  do
                  Código  de  Processo  Civil  quando  diz  que  o  ônus  da  prova  incumbe  i)  ao  autor,  quanto  ao  fato
                  constitutivo do seu direito, e ii) ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo
                  do direito do autor.
                     A necessidade de distribuir o ônus da prova decorre do princípio de que o juiz, mesmo em caso de
                  dúvida resultante de carência de prova, não pode deixar de dar solução à causa. Se o juiz tem o dever
                  de sentenciar, solucionando o mérito, alguém tem que pagar pela carência da prova que o impede de
                  ter um juízo perfeito sobre o conflito de interesses.  Nesse sentido, a regra do art. 373 é apenas um
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                  indicativo para o juiz se livrar do estado de dúvida, e, assim, poder definir o mérito.

                     Mas  a  regra  de  que  o  autor  deve  provar  o  que  alega,  independentemente  da  situação  de  direito
                  substancial controvertida, não gera um processo justo ou de acordo com a Constituição Federal. Não se
                  nega  que  o  ônus  da  prova  é  uma  consequência  do  ônus  de  afirmar,  mas  há  situações  que  têm
                  particularidades suficientes para demonstrar que a aplicação do art. 373 seria contrário ao desejo do
                  próprio direito material.  Além disto, há casos em que é muito difícil, ou quase impossível, ao autor
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                  provar  a  sua  alegação,  sendo  mais  fácil  ao  réu  demonstrar  que  o  fato  alegado  pelo  autor  não  é
                  verdadeiro.   Tais  circunstâncias  levam  aos  conceitos  de  inversão  do  ônus  da  prova  na  sentença
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                  (julgamento  com  base  em  verossimilhança)  e  na  decisão  de  saneamento  e  organização  do  processo
                  (art. 357, III, CPC).
                     Porém, aqui não importa saber quem deve provar ou quando o ônus da prova deve ser invertido,
                  mas  quem  deve  suportar  o  tempo  necessário  à  produção  da  prova.  Se  o  ônus  da  prova  dos  fatos
                  litigiosos deve ser repartido entre o autor e o réu na medida do que estes alegam, cabe indagar se o
                  tempo para a produção da prova também não deve ser repartido de acordo com a mesma regra. Ou
                  melhor: se o réu deve provar o fato impeditivo, modificativo ou extintivo, há racionalidade em obrigar
                  o  autor  a  pagar  pelo  tempo  necessário  à  produção  da  prova  de  tais  fatos?  Essa  questão,  de  grande
                  relevância  para  a  realização  do  princípio  da  efetividade   e  do  princípio  chiovendiano  de  que  o
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                  processo não pode prejudicar ao autor que tem razão, está à base da tutela da evidência.

                     Se o fato constitutivo é incontroverso não há racionalidade em obrigar o autor a esperar o tempo
                  necessário  à  produção  da  prova  dos  fatos  impeditivos,  modificativos  ou  extintivos,  uma  vez  que  o
                  autor já se desincumbiu do ônus da prova e a demora inerente à prova dos fatos cuja prova incumbe
                  ao réu certamente o beneficia.  Assim, a regra do ônus da prova deixa de ser lida em uma perspectiva
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                  meramente estática para ser compreendida em uma dimensão dinâmica, em que importa o tempo da
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