Page 172 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Em  determinado  sentido,  não  há  como  falar  em  verdade  como  categoria  contraposta  à
                  probabilidade  ou  à  verossimilhança.  Por  isso  mesmo,  argumenta-se  que  o  juiz,  mesmo  ao  final  do
                  processo, somente encontra a probabilidade ou a verossimilhança. 35

                     Piero  Calamandrei,  abordando  lição  de  Wach,   advertiu  que,  quando  se  diz  que  um  fato  é
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                  verdadeiro, afirma-se, em substância, que ele atingiu, na consciência de quem assim o julga, aquele
                  grau  máximo  de  verossimilhança  que,  em  relação  aos  meios  limitados  de  conhecimento  de  que  o
                  julgador dispõe, é suficiente para lhe dar a certeza subjetiva de que aquele fato se verificou. Advertiu
                  Calamandrei que, mesmo para o juiz mais atento e escrupuloso, vale o limite fatal de relatividade que
                  é próprio da natureza humana, pois o que se vê é somente aquilo que parece estar se vendo. É por isso
                  que todo o sistema probatório civil é preordenado não somente a permitir, mas verdadeiramente a
                  impor ao juiz de se contentar, ao apreciar os fatos, com a probabilidade. 37

                     Isto  não  quer  dizer,  como  é  óbvio,  que  o  juiz  não  deva  formar,  para  proferir  a  sentença,  uma
                  convicção de certeza.  No plano do processo, aliás, é importante distinguir afirmação de fato provada
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                  e afirmação de fato provável, embora em outra perspectiva ambos os conceitos – como visto acima –
                  possam levar apenas a um juízo de probabilidade. 39

                     Uma  afirmação  de  fato  está  provada  quando  supera  o  controle  legal  e  formal  de  veracidade,  ao
                  passo  que  uma  afirmação  é  provável  quando,  ainda  que  não  tenha  se  submetido  à  plenitude  do
                  contraditório, faz surgir a convicção – a partir da relação que possui com outros fatos, provas e regras
                  de experiência – de que será demonstrada na fase seguinte do processo.
                     Na realidade, mais importante do que estabelecer a diferença entre afirmação provada e afirmação
                  provável,  é  distinguir  afirmação  que  pôde  ser  plenamente  provada  de  afirmação  que  não  pôde  ser
                  plenamente  provada.  Uma  afirmação  pôde  ser  plenamente  provada  quando  em  relação  a  ela  não
                  houve qualquer restrição do direito à produção da prova. Em contrapartida, uma afirmação não pôde
                  ser  plenamente  provada  quando  teve  que  ser  apreciada  em  momento  anterior  ao  esgotamento  da
                  instrução probatória e à plenitude do contraditório.

                     Quando  há  restrição  do  direito  à  produção  da  prova,  ou  limitação  do  contraditório,  há  cognição
                  sumária.  Na  tutela  da  evidência  com  base  na  reserva  da  cognição  da  defesa  de  mérito  indireta
                  infundada somente há cognição exauriente sobre os fatos constitutivos.  A defesa indireta deve ser
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                  examinada  com  base  em  cognição  sumária  exatamente  porque  exige  instrução  dilatória.  Por  ser
                  anterior  ao  esgotamento  do  contraditório,  tal  cognição  somente  pode  permitir  a  formação  de  uma
                  convicção  de  probabilidade.  Neste  sentido,  cabe  ao  juiz  analisar  se  tal  defesa  é  infundada  ou
                  inconsistente, ou seja, se faz surgir a convicção de que as alegações de fato não serão demonstradas na
                  fase seguinte do processo.
                     Note-se que a probabilidade, neste caso, não se relaciona com um fato que deve ser provado pelo
                  autor,  mas  sim  com  um  fato  que  deve  ser  provado  pelo  réu.  Frise-se  que  não  é  o  autor  que  deve
                  demonstrar que a defesa é infundada. A convicção judicial acerca da defesa indireta decorre unicamente
                  da atividade do réu.

                     Lembre-se  que  a  incontrovérsia  dos  fatos  constitutivos  gera  uma  espécie  de  presunção  da
                  existência  do  direito,  exigindo  do  réu  o  ônus  de  demonstrar  que  o  fato  extintivo,  modificativo  ou
                  impeditivo  se  sobrepõe  à  incontrovérsia  dos  fatos  constitutivos.  Como  a  incontrovérsia  dos  fatos
                  constitutivos – condição para se pensar na análise da ausência de inconsistência da defesa indireta –
                  tem  grande  peso  e  influência  sobre  a  convicção  do  juiz,  apenas  a  defesa  indireta  fundada  pode  ser
                  capaz de abalar a convicção judicial acerca da existência do direito. Caso isto não ocorra, a defesa deve
                  ser  considerada  infundada,  ou  melhor,  incapaz  de  dissolver  a  força  da  incontrovérsia  dos  fatos
                  constitutivos e, assim, de protelar a prestação da tutela jurisdicional do direito.
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