Page 171 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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produção de prova”. É certo que o réu pode alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo e, ao
mesmo tempo, negar o fato constitutivo. Porém, ao apresentar defesa de mérito indireta, o réu em
regra admite, por mera consequência lógica, o fato constitutivo do direito.
A apresentação de defesa de mérito indireta em regra equivale, por um princípio de
incompatibilidade lógica, à não-contestação dos fatos constitutivos. Por exemplo: se o autor pede o
pagamento de crédito pecuniário afirmando a venda de determinada mercadoria e o réu alega que o
bem entregue apresenta vícios, a contestação admite o contrato e o recebimento da coisa, ou seja, os
fatos constitutivos. Nesta situação, a defesa substancial indireta torna, por uma razão de
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(in)compatibilidade lógica, os fatos constitutivos incontroversos – ainda que tenham sido contestados.
Entretanto, é também possível que o réu não conteste os fatos constitutivos e apresente apenas
defesa de mérito indireta. Nesta hipótese a tutela é baseada na evidência do direito e na defesa de
mérito indireta infundada; a evidência do direito, porém, não decorre da incompatibilidade lógica
entre a defesa indireta e a negação dos fatos constitutivos, mas simplesmente da ausência da defesa
direta.
Além disso, os fatos constitutivos podem ser provados mediante documento. Acontecendo isso, a
mera apresentação de defesa indireta somente reafirma a evidência dos fatos constitutivos. Porém,
quando o réu nega a validade ou a autenticidade do documento oferecido para demonstrar os fatos
constitutivos, descaracteriza-se a evidência apta à concessão da imediata tutela do direito. Além disso,
quando o fato constitutivo é demonstrado mediante prova emprestada ou mesmo documental,
negando-se na primeira hipótese o próprio fato constitutivo e, na segunda, apenas os elementos
secundários do fato, também há evidência do direito que, quando conjugada à inconsistência da defesa
direta, abre oportunidade à tutela da evidência.
Realmente, a não contestação, a negação logicamente incompatível com a defesa indireta e a
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demonstração dos fatos constitutivos não são suficientes para a tutela da evidência. Bem por isso,
como demonstram as duas primeiras situações, a tutela da evidência não constitui simples repartição
do tempo do processo de acordo com a necessidade da instrução da causa. Exige-se, ainda, que a
defesa – indireta ou direta – seja infundada ou a probabilidade de que não será acolhida ao final do
processo. A falta de fundamento ou a inconsistência da defesa é critério imprescindível à tutela da
evidência.
Como é óbvio, além de infundada, a defesa deve exigir instrução probatória. A tutela da evidência
somente tem sentido quando a defesa indireta não admite a imediata resolução do mérito. Isto porque
a tutela da evidência é justificada pelo tempo que o réu vai utilizar com a instrução probatória para
permitir ao magistrado um juízo de cognição exauriente sobre a defesa. Não há como esquecer que é o
tempo do processo que justifica a tutela da evidência.
1.9. A Defesa de Mérito, Além de Não Poder Ser de Pronta Solução, Deve Ser Inconsistente
A tutela da evidência somente tem razão de ser quando a defesa requer instrução dilatória,
podendo adiar o momento de realização do direito. Quando a defesa pode ser imediatamente
apreciada, independentemente da produção de prova pericial ou testemunhal, obviamente não há
motivo para tutela da evidência, bastando ao juiz proferir a sentença.
Mas para que seja possível a tutela da evidência é também necessário que a defesa seja infundada
ou inconsistente. É correto dizer que a defesa deve ser provavelmente infundada, quando não se está
falando de algo muito diferente de fumus boni iuris, uma vez que esta expressão tem clara relação com
a ideia de “probabilidade”. A diferença é que fumus boni iuris significa probabilidade do direito do
autor, ao passo que o conceito que agora interessa diz respeito às alegações do demandado. 34