Page 166 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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sentido, sempre dependeu da “certeza jurídica”. É o próprio Chiovenda quem confessa: “Entrementes,
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pode ocorrer a figura duma sentença não definitiva, mas executória, e, pois, a separação entre a
definitividade da cognição e a executoriedade. É o que sucede, em primeiro lugar, quando a
condenação é confirmada ou proferida em grau de apelação, e isso porque a sentença de apelação, se
bem que não definitiva, por sujeita a cassação, é todavia executória, uma vez que o recurso para a
cassação não suspende a execução da sentença. Conquanto seja essa uma figura anormal, porque nos
apresenta uma ação executória descoincidente, de fato, da certeza jurídica...”. 8
A “execução provisória” da sentença seria uma figura anormal exatamente por não pressupor a
“certeza jurídica”. Entretanto, a certeza jurídica, ou a coisa julgada material, em vista das novas
necessidades de tutela, não mais pode constituir o pressuposto lógico-jurídico para a instauração da
execução.
As novas exigências de tutela jurisdicional – responsáveis, inclusive, pela transformação da tutela
cautelar em técnica de sumarização – transformaram o princípio da nulla executio sine titulo em mito.
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Recorde-se que a tutela antecipatória, na maioria dos casos, antecipa a própria execução. Como já
disse Ovídio Baptista da Silva, “a introdução em nosso direito de uma forma de tutela antecipatória –
tão extensa quanto o permite a sua conceituação, como tutela genérica e indeterminada – invalida
todos os pressupostos teóricos que sustentam o processo de conhecimento, pois as antecipações de
julgamento, idôneas para provocarem tutela antecipatória, pressupõem demandas que contenham,
conjugadas e simultâneas, as atividades de conhecimento e execução”. 10
No procedimento comum, há enorme conflito entre o direito à cognição definitiva (direito de
defesa) e o direito à tempestividade da tutela jurisdicional. Para que o autor não seja prejudicado pela
demora do processo, deve atuar, no interior do procedimento de cognição plena e exauriente, uma
técnica que permita a antecipação da execução.
Ora, se é inegável a existência de conflito entre o direito à tempestividade da tutela e o direito à
cognição definitiva e é sabido que o réu tem interesse em utilizar o processo para conservar o status
quo pelo maior espaço de tempo possível, deve ser admissível a antecipação da execução nos casos de
direitos evidentes e de defesas infundadas. Não há outra alternativa para o processo não prejudicar o
autor que tem razão.
Na verdade, uma postura dogmática coerente com a realidade impõe a redefinição do conceito de
título executivo, indagando-se se a qualidade de título executivo pode ser conferida a um provimento
sumário. Não há qualquer razão, digna de consideração, que impeça um provimento sumário de
constituir título executivo, pois abrir a via executiva a um direito não é uma consequência da sua
existência, mas uma simples opção pela sua realização prática. Desta forma, é certo, a tutela
jurisdicional passa a ser muito mais execução do que declaração e coisa julgada material, mas esta é
uma decorrência das novas exigências de tutela e do conflito – que é ineliminável – entre segurança e
efetividade.
1.4. Evidência do Direito e Fragilidade da Defesa
No jogo entre a tempestividade e a segurança, a tutela da evidência ou a distribuição do tempo do
processo somente é possível quando a defesa deixar entrever a grande probabilidade de o autor
resultar vitorioso e, consequentemente, a injusta espera para a realização do direito.
A tutela da evidência tem similar no direito comparado no référé provision do direito francês. É
possível a antecipação mediante a provision na hipótese em que “a obrigação não é seriamente
contestável” (“l'obligation n'est pas sérieusement contestable”; artigos 809, II e 849, II, do Código de
Processo Civil francês). 11