Page 168 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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instrução probatória. Não só a produção da prova, mas também o tempo para tanto, constituem ônus
que devem ser repartidos entre os litigantes.
A tutela da evidência tem importante base na ideia de que a demonstração dos fatos constitutivos,
ao desobrigar o autor do ônus da prova, repercute sobre a inversão do ônus do tempo do processo. A
tutela da evidência permite ao juiz, a partir da incontrovérsia do fato constitutivo, antecipar a
realização do direito, deixando à fase processual sucessiva a cognição da defesa de mérito indireta
infundada. É claro que tal tutela tem eficácia imediata, resolutivamente condicionada ao acolhimento
da defesa.
Mas a tutela da evidência não requer apenas a incontrovérsia dos fatos constitutivos, pois exige,
ainda, que a defesa de mérito indireta tenha duas características: em primeiro lugar não pode se
basear em prova documental, uma vez que deve exigir produção de outras provas e, por consequência,
o alongamento do tempo do processo; em segundo lugar, ainda que abra oportunidade à produção de
prova pericial ou testemunhal, as alegações dos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos devem
ser infundadas.
Tal técnica de tutela faz com que o réu, e não o autor, suporte o tempo necessário para a
demonstração do fato impeditivo, modificativo ou extintivo. Trata-se de uma decisão marcada por
uma cognição sumária e parcial, em que o tempo do processo, necessário para a declaração dos fatos
modificativos, extintivos e impeditivos, deixa de ser ônus do autor e passa a ser ônus do réu, ou seja,
daquele que tem necessidade do prosseguimento do processo para que se desenvolva a fase
instrutória. 18
Note-se que o juiz, ao conceder a tutela da evidência, tem cognição exauriente sobre a alegação dos
fatos constitutivos e cognição sumária em relação ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo. De
modo que a cognição é sumária sobre parcela do mérito. 19
De lado a tutela da evidência em caso de defesa de mérito indireta, há hipóteses em que os fatos
constitutivos são evidenciados e, ainda assim, postos em dúvida por uma defesa direta inconsistente,
ou seja, pela contestação infundada dos fatos constitutivos. Nesta situação não há defesa indireta
(alegação de fatos extintivos, modificativos ou impeditivos), porém apenas defesa direta (negação dos
fatos constitutivos). Essa, embora suscite a produção de prova, não é capaz de abalar a convicção
formada pela prova dos fatos constitutivos.
No caso de prova emprestada capaz de gerar convicção de certeza acerca dos fatos constitutivos ou
de prova do núcleo do fato constitutivo, a defesa destituída de fundamento ou a contestação infundada
dos elementos secundários ao núcleo do fato constitutivo não pode protelar a realização do direito. A
defesa que protela a realização de um direito evidenciado, controvertendo os fatos constitutivos sem
fundamento capaz de abalar a convicção decorrente da prova produzida pelo autor, deve ser
considerada abusiva.
A tutela da evidência excepciona o princípio de que a execução ou a tutela jurisdicional do direito
deve seguir a sentença de cognição plena e exauriente. Trata-se de técnica que visa a impedir que
aquele que tem razão seja prejudicado pelo tempo da instrução da causa.
É certo que esta técnica – como acontece com toda técnica antecipatória – apresenta riscos para o
réu. Contudo, a circunstância de o juiz somente poder conceder a tutela quando a defesa de mérito for
infundada atenua bastante este risco. Ademais, tal risco, ainda que exista, é plenamente justificável,
pois não é racional que o autor tenha que suportar o tempo do processo quando os fatos constitutivos
são incontroversos ou estão evidenciados e a defesa é infundada. Ora, da mesma forma que o réu
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pode ser prejudicado pela tutela, o autor pode ser prejudicado pela demora para a prestação da tutela