Page 174 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
P. 174
Perceba-se que, quando a defesa indireta é logicamente compatível com a defesa direta, ou seja,
com a negação dos fatos constitutivos, obviamente não há como concluir pela tutela da evidência com
base na técnica da reserva da cognição da defesa de mérito infundada. Se diante da defesa indireta
não há não-contestação ou incompatibilidade com a negação dos fatos constitutivos, esses somente
poderão ser ditos evidentes se provados mediante prova documental – excepcionalmente por meio de
prova testemunhal ou pericial emprestada. Neste caso, entretanto, é importante notar que a tutela da
evidência não se funda na técnica da reserva da cognição da defesa indireta infundada, mas na técnica
da prova documental dos fatos constitutivos – que também pode ser dita técnica monitória.
2.2. A Defesa de Mérito Indireta Equivale, em regra, à Não-Contestação dos Fatos Constitutivos
A apresentação de defesa de mérito indireta equivale, na grande maioria dos casos e por um
princípio de incompatibilidade lógica, à não contestação dos fatos constitutivos alegados pelo autor. 43
Se o autor afirma que, em virtude da venda de determinada mercadoria, possui determinado crédito
em relação ao réu, e esse alega, na sua contestação, que o crédito não pode ser exigido porque a
mercadoria apresenta vícios, não há contestação dos fatos constitutivos. O réu, ao dizer que a
mercadoria possui vícios, admite que realizou o contrato de compra e venda e recebeu a mercadoria,
sendo estes os fatos constitutivos do direito do autor. Da mesma forma, se o trabalhador pede o
pagamento do valor devido pela atividade que desenvolveu e o réu alega a má execução da obra, a
defesa admite o contrato e a sua execução, isto é, os fatos constitutivos. Nos dois exemplos, a alegação
contida na defesa indireta admite, por uma questão lógica, a presença dos fatos constitutivos. 44
Ao alegar fato extintivo, modificativo ou impeditivo, o réu assume comportamento processual que
equivale, normalmente, à não-contestação dos fatos constitutivos, exatamente porque, em regra, a
própria defesa indireta pressupõe a existência dos fatos constitutivos. 45
2.3. Resolução do Impasse Diante da Incompatibilidade entre as Defesas de Mérito Direta e
Indireta
Nada impede que o réu apresente defesa indireta e, ainda assim, conteste os fatos constitutivos.
Nem sempre a concomitância das duas defesas revela incompatibilidade lógica ou inconciliabilidade.
Não há inconciliabilidade entre a negação do contrato e a afirmação de prescrição ou entre a
negação do crédito tributário e alegação de moratória, embora exista incompatibilidade lógica entre a
alegação de vício no serviço e a negação do contrato e do serviço.
Nos dois primeiros exemplos é adotado o princípio da eventualidade, em virtude do qual se permite
a dedução de uma defesa para a hipótese da outra não ser acatada. O réu apresenta duas defesas para
que, na eventualidade do não acolhimento de uma, seja admitida a outra. No exemplo da prescrição, o
fato negado na defesa direta não é “aceito” na indireta. O fato é sempre negado, requerendo-se que, na
eventualidade de não ser acolhida a defesa indireta, seja aceita a direta. Articula-se que o crédito
afirmado pelo autor, se existisse, estaria prescrito. Ou seja, afirma-se, com base na eventualidade, a
prescrição do crédito (defesa indireta), mas é expressamente contestado o fato constitutivo (defesa
direta).
Contudo, quando se tem em conta a defesa de mérito indireta que não se concilia com a negação
dos fatos constitutivos, importa saber o que acontece quando o réu apresenta defesas de mérito direta
e indireta logicamente incompatíveis. No direito italiano, Giuliano Scarselli argumenta que o juiz
deveria considerar, nestes casos, os arts. 88 e 116, segunda parte, do Código de Processo Civil. O art. 88
afirma que as partes e os seus advogados têm o dever de se comportar em juízo com lealdade e
probidade, enquanto a segunda parte do art. 116 diz que o juiz pode retirar argumentos de prova das
respostas que as partes lhe dão por ocasião do chamado “interrogatorio non formale”, da renúncia