Page 190 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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processo entre as partes.
A tutela da evidência – não obstante o inconstitucional parágrafo único do art. 311 – não pode ser
prestada inaudita altera parte. O réu sempre tem a oportunidade de contestar os fatos constitutivos e
apresentar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor, requerendo, se a
defesa não depender de instrução, o imediato julgamento do mérito.
Lembre-se, por outro lado, que esta forma de tutela antecipada – dita de evidência – sempre se
funda em cognição sumária. No caso de defesa indireta, a cognição sumária recai sobre os fatos
extintivos, modificativos ou impeditivos, ao passo que, tratando-se de defesa direta, a cognição
sumária fica retida nos próprios fatos constitutivos. Quer isto dizer que a tutela da evidência é
provisória e capaz de ser revogada ao final do procedimento. De modo que, após a sua concessão, o réu
continua a se defender no processo, atuando para que a defesa seja acolhida. O contraditório é apenas
postecipado, à semelhança do que ocorre em todas as outras hipóteses em que se concede tutela
provisória. Além disto, para combater os efeitos da tutela da evidência, o réu tem o direito de
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interpor recurso de agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo (arts. 1.015, I, e 1019, I,
CPC).
A necessidade de distribuição do tempo do processo e, portanto, de técnica processual idônea a
tanto, é indispensável para dar concretude ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e ao
princípio da isonomia. A circunstância de tal técnica trazer risco ao direito de defesa não pode
inviabilizar a sua utilização, pois o procedimento comum, ao obrigar o autor a arcar sozinho com o
tempo do processo, é desconforme aos valores constitucionais, constituindo fonte de injustiça e
evidente estímulo para o abuso do direito de defesa.
8. As Hipóteses do art. 311 do Código de Processo Civil
8.1. A Cláusula Geral do “Abuso do direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório”
O inciso I do art. 311, ao falar em abuso do direito de defesa e manifesto propósito protelatório,
simplesmente repete a dicção do inciso II do art. 273 do código de 1973, que abria oportunidade para
tutela antecipada em caso de abuso de direito de defesa. Nunca houve razão para distinguir abuso de
defesa e manifesto propósito protelatório, na medida em que aos dois é possível outorgar um mesmo
sentido geral, capaz de ser concretizado nos vários casos conflitivos.
Trata-se de conceito jurídico indeterminado. Bem por isso, cabe tutela da evidência quando, em
qualquer caso, o juiz puder declarar, diante da evidência do direito e da inconsistência da defesa, que o
seu exercício, ao exigir instrução dilatória, constitui um abuso. Portanto, o inciso I é a base da tutela da
evidência, capaz de ser utilizado apenas quando se compreende a elaboração teórica desta forma de
tutela (exposta supra, especialmente nos itens 4-8).
Realmente seria absurdo imaginar que a tutela da evidência é cabível apenas nas hipóteses dos
incisos II, III e IV do art. 311. Note-se que o inciso III nada mais é do que um dos muitos exemplos de
tutela da evidência baseada em prova dos fatos constitutivos e defesa infundada que requer instrução
dilatória. Na verdade, caso o art. 311 fosse um mero amontoado de exemplos, haveria uma simples
descrição de hipóteses traçadas em privilégio de determinados titulares de documentos ou contratos.
Assim, caso não existisse o inciso I, ou melhor, a cláusula geral da tutela da evidência, a oportunizá-la
em todos os casos em que há direito evidente e defesa inconsistente que exige instrução dilatória,
haveria violação da isonomia. Não é por outro motivo que o inciso I do art. 311 deve ser visto como
uma regra geral de democratização do processo – que viabiliza técnica processual idônea a toda e
qualquer situação de direito substancial. 97