Page 185 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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O art. 373 do Código de Processo Civil, ao estabelecer que, em relação ao fato constitutivo, o ônus da
prova incumbe ao autor e, quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo, este ônus é do réu,
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permite que se determine, com facilidade, qual a parte que precisa da instrução da causa e, por
consequência lógica, do tempo do processo.
Se o código afirma que cabe ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, o
mesmo critério deve servir de base para a distribuição do tempo do processo, pois aí o réu precisa não
apenas da instrução da causa, mas também do tempo do processo.
Se os fatos constitutivos são incontroversos, não há razão para o autor ter que sofrer os males do
tempo que o réu utilizará para tentar demonstrar os fatos que alegou na defesa indireta. Em outras
palavras: ao autor não pode ser imposto o peso do tempo que serve unicamente ao réu. 76
Scarselli, analisando esta questão à luz do art. 2.697 do CC italiano, argumenta que, na medida em
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que este artigo é visto como uma norma ditada pelo bom senso para uma justiça distributiva dos
ônus probatórios, pode ser lido extensivamente como a disposição que reparte entre o autor e o réu os
ônus em geral da atividade instrutória processual, os quais não dizem respeito somente ao aspecto
estático da prova, mas também àquele dinâmico do tempo necessário à sua produção. Assim, como é
injusto que ao autor venha imposto o ônus da prova de todos os fatos controversos para obter o
acolhimento da demanda, é também injusto que a este venha sempre atribuído o tempo da duração do
processo sem a possibilidade de uma repartição imediata, que no direito brasileiro pode ser feita
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mediante a tutela da evidência.
5.2. O Princípio de que o Tempo do Processo Deve ser Suportado pela Parte que Necessita da
Instrução da Causa
A tutela da evidência permite a realização antecipada do direito, evitando que o tempo do processo
seja utilizado pelo réu em prejuízo do autor. Quando baseada na técnica da reserva da cognição da
defesa de mérito indireta infundada, responde precisamente ao princípio pelo qual o tempo do
processo deve se voltar contra a parte que tem necessidade da instrução da causa para demonstrar a
sua alegação. Com efeito, se os fatos constitutivos são incontroversos e é apresentada uma defesa de
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mérito indireta infundada que requer instrução dilatória, é racional que o réu suporte o tempo que
correrá em seu benefício.
A tutela da evidência, exatamente porque abre oportunidade para a generalização de um
mecanismo de distribuição do tempo do processo, evita que se veja na aceleração da execução
qualquer privilégio atribuído a uma determinada posição social em detrimento de outra.
É importante recordar que a teoria dos títulos executivos extrajudiciais, atrelando-se à técnica da
reserva de todas as defesas do devedor, foi fundamental para viabilizar a estruturação do processo de
execução à margem do processo de conhecimento. Melhor explicando: a reserva da cognição das
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defesas do devedor para os embargos do executado foi o que tornou possível a execução apenas a
partir do título executivo extrajudicial.
De modo que o conceito de título executivo extrajudicial e a individualização da ação de execução
constituem genuíno exemplo de distribuição do ônus do tempo da justiça entre o detentor do título
extrajudicial e o devedor. É o que explica Scarselli: “Se a qualidade dos títulos executivos
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extrajudiciais decorre do fato de que estes representam a prova dos fatos constitutivos, então parece
indiscutível que para o ordenamento jurídico esta prova é pressuposto suficiente para a instauração
da execução. Nestes termos, os títulos executivos extrajudiciais – de cuja legitimidade ninguém nunca
duvidou – demonstram melhor do que qualquer outro instituto processual a existência do princípio pelo
qual o tempo do processo deve ser suportado pela parte que tem necessidade da instrução da causa,