Page 187 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Ao  se  admitir  a  distribuição  do  ônus  do  tempo  somente  em  procedimentos  especiais  estará  se
                  tratando de forma diferenciada apenas determinadas situações de direito substancial, esquecendo-se
                  que  a  inversão  do  ônus  do  tempo  pode  ser  necessária  diante  de  qualquer  caso  conflitivo  concreto.
                  Nesta dimensão, tal tratamento diferenciado constitui evidente privilégio discriminador, obrigando a
                  ver que a tutela da evidência com base na reserva da cognição da defesa de mérito indireta infundada é
                  imprescindível para a democratização do processo civil.

                     5.3. O Processo não Pode Prejudicar o Autor que Tem Razão

                     O princípio de que “la durata del processo non deve andare a danno dell’attore che ha ragione”,
                  analisado por Chiovenda – em antigo ensaio intitulado “Sulla perpetuatio iurisdictionis”  – a partir do
                                                                                              88
                  princípio geral segundo o qual “la necessità di servirsi del processo non deve tornar a danno di chi è
                  costretto ad agire o difendersi in giudizio”, objetiva demonstrar que o processo deve dar ao autor tudo
                  aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.

                     Este  princípio  obviamente  não  pode  ser  compreendido  à  distância  da  ideia  de  que  o  tempo  do
                  processo deve ser suportado pela parte que necessita da instrução da causa. Essa ideia explicita algo
                  fundamental para a concretização do princípio, na medida em que a distribuição do tempo de acordo
                  com o ônus da produção da prova é indispensável para que o processo não cause dano ao autor que
                  tem razão ou para que lhe dê exatamente o que tem o direito de obter. 89

                     Afirma-se que o processo prejudica o autor que tem razão quando não lhe dá, apesar da sentença
                  de  procedência  transitada  em  julgado,  o  bem  da  vida  a  que  tem  direito.  É  que  durante  o  curso  do
                  processo, como é sabido, podem surgir situações – como a dissipação dos bens que seriam objeto da
                  execução – que impeçam ao autor obter aquilo que a própria sentença reconheceu ser seu direito.

                     Entretanto,  ainda  que  nenhuma  situação  anômala  possa  colocar  em  risco  o  direito  do  autor,  a
                  simples duração do processo, eliminando a possibilidade de o autor poder ver realizado imediatamente
                  o  seu  direito,  é  fonte  de  prejuízo.  Neste  sentido  se  diz  que  o  processo  sempre  causa  um  dano
                  “marginal”  ao  autor  que  tem  razão.   Este  dano  marginal  somente  pode  ser  atenuado  ou  eliminado
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                  através  de  técnicas  que  permitam  a  distribuição  do  ônus  do  tempo  do  processo  e,  assim,  também
                  através da tutela da evidência.

                     É por isto que o princípio de que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão deve ser
                  lido à luz da ideia de que o tempo deve ser suportado pela parte que necessita da instrução da causa.
                  Quando o tempo é corretamente distribuído entre os litigantes, o autor deixa de ser prejudicado pela
                  demora do processo, compreendido o prejuízo, aí, como o dano que é imposto pelo tempo da “justiça” a
                  todo autor que tem razão.

                     5.4. A Necessidade de Evitar o Abuso do Direito de Defesa

                     A  tutela  da  evidência  baseada  na  técnica  da  cognição  com  reserva  da  defesa  de  mérito  indireta
                  infundada, além de permitir a repartição do tempo do processo entre os litigantes, desestimula o réu
                  de abusar do seu direito de defesa. 91

                     Se  não  basta  a  circunstância  de  a  defesa  indireta  exigir  instrução  dilatória,  devendo  ser
                  necessariamente infundada, a tutela da evidência certamente não tem apenas o objetivo de repartir o
                  tempo do processo entre o autor e o réu, mas também o escopo de inibir o exercício abusivo do direito
                  de defesa. Ora, caso a realização do direito tivesse que ser protelada em virtude de uma defesa indireta
                  infundada, o réu estaria com o campo aberto para abusar do seu direito de defesa.
                     Aliás, Proto Pisani argumenta, no direito italiano, que “a técnica que pode satisfazer a exigência de
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