Page 81 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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Em razão da previsão do art. 520, IV, é possível a expropriação ou a prática de atos que importem
                  transferência  de  posse  ou  alienação  de  propriedade  ou  de  outro  direito  real,  assim  como  o
                  levantamento  de  depósito  em  dinheiro.  Nesses  casos  e  em  outros  em  que  a  execução  puder  causar
                  grave dano ao executado, deve ser prestada caução idônea (art. 520, IV, CPC). Não obstante, de acordo
                  com  o  art.  521,  a  caução  pode  ser  dispensada  quando  o  i)  o  crédito  for  de  natureza  alimentar,
                  independentemente  de  sua  origem;  ii)  o  credor  demonstrar  situação  de  necessidade;  iii)  pender  o
                  agravo  do  art.  1.042;  e  iv)  a  sentença  a  ser  provisoriamente  cumprida  estiver  em  consonância  com
                  súmula  da  jurisprudência  do  Supremo  Tribunal  Federal  ou  do  Superior  Tribunal  de  Justiça  ou  em
                  conformidade  com  acórdão  proferido  no  julgamento  de  casos  repetitivos.  Quer  dizer  que  a  caução
                  poderá ser dispensada em caso de tutela antecipada de soma, bastando-se demonstrar que se trata de
                  crédito de natureza alimentar ou a situação de necessidade que está à base da concessão da própria
                  tutela.

                     Sublinhe-se  que  os  artigos  520  e  521  não  se  aplicam  sempre  à  execução  da  tutela  antecipada  de
                  soma, mas apenas quando “couber” (art. 297, parágrafo único, CPC). Por outro lado, as regras que dizem
                  respeito ao cumprimento provisório da sentença (arts. 520/522, CPC), quando não se referem apenas
                  ao pagamento de soma, também são aplicáveis às hipóteses em que se pretende fazer, não fazer ou
                                           o
                  entrega de coisa (art. 520, § 5 , CPC).
                     9.4. A prisão como meio de coerção indireta

                     O  objetivo  da  norma  constitucional  que  proíbe  a  prisão  por  dívida  é  vedar  a  prisão  civil  por
                  descumprimento de obrigação que dependa, para seu adimplemento, da disposição de dinheiro. Nesse
                  sentido é possível dizer que a norma constitucional proibiu a prisão por “dívidas pecuniárias”. 186

                     Caso a sua intenção fosse a de proibir toda e qualquer prisão não haveria como explicar a razão
                  pela qual deu conteúdo à prisão civil, afirmando que “não haverá prisão por dívida”. O entendimento
                  de  que  toda  e  qualquer  prisão  está  proibida  implica  em  retirar  qualquer  significado  da  expressão
                  “dívida”. Ademais, alegar que existem outras modalidades de dívida que não apenas a pecuniária e
                  concluir que estas vedam a prisão, é nada dizer sobre a espécie de prisão proibida, mas simplesmente
                  insistir na ideia de que a norma constitucional – de lado o caso de dívida alimentar – veda o uso de
                  toda e qualquer prisão civil e, desse modo, prosseguir retirando o significado da expressão “dívida”.
                  Mas, se não há como fugir da ideia de que foi proibida somente uma modalidade de prisão civil, e não
                  toda e qualquer prisão civil, a prisão proibida somente pode ser a prisão por “débito”. 187

                                          o
                     A interpretação do art. 5 , LXVII, da Constituição Federal, deve ser alçada a um nível que considere
                  os direitos fundamentais. Se é necessário vedar a prisão do devedor que não possui patrimônio – e
                  assim considerar um direito fundamental –, é absolutamente indispensável permitir o seu uso para a
                  efetividade da tutela de outros direitos fundamentais.

                     Não há dúvida de que o direito perde a sua qualidade se não puder ser efetivamente tutelado. A
                  proibição de fazer justiça de mão própria não tem muito sentido se ao réu for dada a liberdade de
                  descumprir a decisão judicial, pois nesse caso ele estará fazendo prevalecer a sua vontade como se o
                  Estado não houvesse assumido o monopólio da jurisdição, cuja atuação efetiva é imprescindível para a
                  existência do próprio ordenamento jurídico.

                      Ninguém pode negar que o processo exige, diante de certas situações de direito substancial, o uso
                  da coerção indireta. Porém, a multa não constitui a única forma de coerção indireta e nem se pode
                  dizer  que  é  suficiente  para  a  efetiva  prestação  da  tutela  jurisdicional.  A  multa  não  tem  efetividade
                  diante  de  um  réu  que  não  possui  patrimônio.  Por  essa  razão,  a  violação  de  direitos  é  muito  fácil  a
                  pessoas  inescrupulosas,  uma  vez  que  também  não  é  difícil  que  estas  possam  constituir  “testas-de-
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