Page 84 - TUTELA DE URGÊNCIA E TUTELA DA EVIDÊNCIA, Luiz Guilherme Marinoni, Ed. RT, 2017
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parte  –  e  não  ao  Estado.  Isso  se  deve  à  adoção  de  um  modelo  que  ainda  confunde  a  multa  e  a
                  indenização, supondo que a multa também funciona como uma medida reparatória para a parte que
                  tinha  interesse  na  decisão  não  cumprida.  De  outra  parte,  a  sua  natureza  intimidatória  advém  da
                  ameaça da sua cobrança.
                     Tomando em consideração as circunstâncias de que o valor da multa cabe à parte e de que a força
                  coercitiva da multa está na ameaça da sua cobrança, é correto concluir que a cobrança da multa deve
                  ser  admitida  apenas  após  o  trânsito  em  julgado  –  e  não  em  face  da  tutela  antecipada,  no  curso  do
                  processo.  Perceba-se  que  se  a  cobrança  da  multa  –  e  não  apenas  a  sua  imposição  ou  a  ameaça  da
                  cobrança – tivesse finalidade coercitiva, o seu valor deveria poder ser dispensado na hipótese de o réu
                  se dispor a cumprir a decisão, mesmo que tardiamente. Porém, a cobrança da multa, reverta para o
                  particular ou para o Estado, sempre terá conotação repressiva, pois se pudesse ser perdoada após o
                  não  cumprimento,  apenas  pela  razão  de  o  inadimplente  vir  a  cumprir,  perderia  o  seu  efeito
                  intimidatório. Ademais, conforme observado, tal valor é atribuído ao autor, como se tivesse natureza
                  de ressarcimento. Diante dessa natureza, o pagamento do valor da multa ao autor, ainda que ele não
                  tenha o seu direito reconhecido ao final do processo, configura genuíno enriquecimento sem causa.
                  Dar ao autor o direito de executar o réu para cobrar multa devida pelo não cumprimento de decisão
                  reputada injusta no próprio processo não pode significar outra coisa.

                     Alguém dirá que no caso de multa periódica a imediata execução da multa devida tem finalidade
                  intimidatória. A multa fixada de modo periódico somente permitiria a execução do valor relativo ao
                  período  do  descumprimento,  pelo  que  o  fim  intimidatório  da  execução  estaria  em  constranger  o
                  demandado a cumprir para a multa parar de incidir. Nesse caso, porém, além de o autor poder receber
                  injustamente  o  valor  da  multa  que  já  se  tornou  devido,  o  fim  intimidatório  da  multa  estaria  sendo
                  transferido  para  a  sua  execução  parcial.  Ocorre  que  não  há  racionalidade  em  imaginar  que  o  réu
                  somente é constrangido a cumprir quando a execução já foi requerida, a menos que esse aposte – não
                  se importando com o acréscimo do valor da multa periódica – no seu sucesso ao final do processo, o que
                  faz pensar em um otimismo quase que paranoico.

                     De  qualquer  forma,  o  que  realmente  impede  a  admissão  da  execução  da  multa  no  curso  do
                  processo é o fato de que o seu valor reverte à parte, o que significa que a finalidade da multa ainda é
                  obscura  no  sistema  brasileiro.  Perceba-se  que,  quando  se  fala  da  finalidade  da  multa,  não  se  está
                  aludindo a algo semelhante à dupla face da prisão. A multa, ainda que deva ameaçar e ser executada
                  (tendo dupla feição), deveria ter por objetivo apenas a efetividade das decisões do juiz e não dar algo ao
                  autor. Já a prisão, ao assumir dupla configuração, é obviamente sempre voltada à proteção das decisões
                  judiciais. Assim, não há razão para a prisão não poder ser imposta para dar efetividade à decisão que
                  concede tutela de urgência.

                     No caso de não cumprimento de um fazer, não há como pensar em prisão cujo prazo se estende
                  com o passar do tempo – à semelhança do que ocorre com a multa. A coerção da prisão está na aflição
                  gerada pela sua execução,  ao  passo  que  o  acréscimo do valor da multa  é  expediente  expressamente
                                                            o
                  previsto no Código de Processo Civil (art. 537, § 1 , I, CPC) para que a sua finalidade coercitiva possa ser
                  potencializada e, assim, vencida a vontade do renitente.
                     Frise-se que a coerção da multa não está na sua cobrança parcial, mas sim no acúmulo do seu valor
                  com o passar do tempo, ao passo que, em relação à violação de uma decisão que impôs um fazer, a
                  prisão deve ser executada para constranger ao cumprimento. Para melhor explicar: o prazo da prisão
                  não precisa ser cumprido se a decisão for observada, mas se a decisão for acatada a multa apenas não
                  mais incidirá – embora possa ser cobrada –, o que significa que a execução da prisão e o acréscimo da
                  multa – e não a sua execução – servem para constranger ao cumprimento.
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