Page 208 - CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013
P. 208

CURSO COMPLETO DE DIREITO AGRÁRIO, Silvia C. B. Opitz e Oswaldo Opitz, Ed. Saraiva, 7ª ed., 2013



          nada mais nada menos do que abusos de poder por parte da autoridade pública. A
          verdade,  porém,  é  que  os juristas  da  Idade  Média construíram  a  doutrina  da
          desapropriação tendo por base as regras esparsas do direito romano que se encon-
          travam no Corpus Juris Civilis. Foram os glosadores legistas que reconstruíram o
          organismo da expropriação tomando por base o direito romano, mas sem investigar
          a natureza desse direito do Estado.

          3.  Filosofia da desapropriação na lição de Hugo Grócio
             Até o século XVI, o direito do Estado de expropriar sujeitava-se às regras in-
          vocadas do direito romano. Mesmo o grande Bodin não se afastou dessa orientação.
          Na verdade, não havia nessa doutrina romana nenhuma base filosófica que justifi-
          casse o ato estatal. Somente com Hugo Grócio foi que se procurou dar à doutrina
          da expropriação uma filosofia própria.
             Depois dessa época a desapropriação se configurou em suas linhas, afastando-se
          das  regras referidas.  Os textos do Corpus Juris  Civilis,  que os  glosadores e pós-
          -glosadores aproveitaram, mostram que nem todos indicavam uma expropriação por
          necessidade ou utilidade pública, tais como: a) o privilégio do fisco. As coisas alie-
          nadas pelo fisco não podiam ser reivindicadas pelo verdadeiro proprietário, que tinha
          apenas  o  direito  de  acioná-lo  a  fim  de  ser  indenizado  do  prejuízo  (C.,
          Liv. 7, Tít. 37, §§ 2 e 3); b) o jus domini impetrandi, pelo qual o credor pignoratício
          adquire  a propriedade do  objeto empenhado mediante certas  condições  (C.,  Lei
          n.  3, Liv. VIII, Tít.  34); c) a adjudicatio, pela qual o juiz, nas ações de divisão da
          coisa comum, atribuía a um dos condôminos a propriedade de toda a coisa, cabendo
          aos demais uma indenização (lnst., §§ 3 e 6, Liv. IV, Tít.  17). Salta à vista que tais
          casos não são de expropriação como pretendiam aqueles juristas da Idade Média.

          4.  Necessidade pública no direito romano. Jus gentium. Jus
             naturalis
             Reconhecia-se que o Estado devia respeitar os direitos adquiridos e que não
          podia ir contra eles, salvo levado por uma justa causa. A desapropriação dava-se
          então quando sua causa se fundava na necessidade pública, mediante sempre uma
          indenização. A razão disso estava no fato  de que a doutrina medieval aceitava a
          origem da propriedade no jus gentium que precedia ao Estado e se derivava do jus
          naturalis; portanto não era criada pelo Estado e este devia respeitá-la. Aceitava-se
          a doutrina da origem contratual do  Estado,  de  modo que a força obrigatória do
          contrato derivava do jus naturalis. Assim, eram invioláveis os direitos concedidos
          aos cidadãos por contrato, salvo as expropriações ex justa causa. Assim, o direito
          de propriedade podia ser revogável livremente por causa de utilidade pública (prop-
          ter publicam utilitatem). Como justas causas apareciam: a maldade do dono para
          com seu escravo, o favor libertatis, razões religiosas, disposições de última vonta-
          de e, principalmente, o bem comum. Verifica-se que a justa causa devia preexistir
          à expropriação para que se justificasse o ato do Poder Supremo, que ficava assim
          limitado em seu arbítrio. Não se podem esquecer também aqueles que encontram
          na publica utilitatis um mero freio moral superado pela plenitudo potestatis, de modo
          que se procedia à expropriação pela só força da plenitudo potestatis. Essa parece


                                         206
   203   204   205   206   207   208   209   210   211   212   213