Page 55 - ASAS PARA O BRASIL
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O mais insuportável para mim foi ter que acompanhar os
sobreviventes – dos quais alguns tinham que ser carregados até o IML para
o reconhecimento dos corpos carbonizados, dificilmente identificáveis. Eu
cuidei da repatriação dos resgatados ao mesmo tempo em que escapava do
assédio tão sórdido quanto mórbido da imprensa.
Após muitas complicações para a repatriação, a companhia consentiu, após
muitas hesitações, colocar à nossa disposição um avião DC9 para 15
pessoas com destino a Paris.
Aquilo certamente foi inédito para esta companhia, já que a pressão da
imprensa era muito forte para a sua imagem. A maior dificuldade foi fazer
com que os passageiros apáticos, esgotados e traumatizados subissem no
avião.
O Consulado emitiu documentos provisórios e as formalidades na
alfândega foram simplificadas.
Nada mais subirem no avião e antes mesmo da decolagem, meus
passageiros começaram a ficar angustiados: uma reação totalmente
previsível. Tinha que encontrar um subterfúgio para impedir que
pensassem. Junto com as aeromoças, decidimos servir champanhe
ilimitado.
E no caso disso não ser suficiente para distraí-los, eu improvisava contando
a eles balelas e anedotas, torcendo para que isso lhes permitisse pensar em
outra coisa.
Tinha-me tornado um ator cômico.
O champanhe era servido sem restrição durante todo o voo.
No aeroporto de Orly, a companhia aérea havia organizado uma recepção
para acolher as famílias das vítimas.
Após três dias e duas noites (quase) sem dormir, eu caminhava, esgotado,
como um zumbi, empacotado no meu velho casaco “Burberry”. Eu tinha me
tornado o retrato ambulante da deterioração física e moral. Agora, o trapo
em Paris era eu! Ainda hoje, as sequelas desta tragédia estão vivas e surgem
de novo quando vejo uma catástrofe aérea na televisão.
Muito tempo depois, a investigação confirmaria uma falha humana: o avião
tinha deslizado numa pista molhada ao aterrissar; é o fenômeno de
aquaplanagem.