Page 89 - ASAS PARA O BRASIL
P. 89

A meu ver, era uma mulher completamente atípica e rara.

                  Ela me sorriu e eu comecei a conversar com ela no meu penoso “portunhol”.


                  Ela me explicou que estava de passagem por essa pequena cidade, para ver
                  a cunhada dela e que ela era da cidade de Mossoró, no Estado vizinho aonde
                  os estrangeiros raramente iam. Era a primeira vez que ela conversava com
                  um  gringo.  Eu  tentava  entende-la  da  melhor  maneira  possível  e  ela
                  também, mas o contato com a minha “índia” tinha sido estabelecido e já
                  dura quase vinte anos. Seria esse o choque multirracial?


                  A Eliane vinha de uma família matriarcal de classe média e treze filhos. Foi
                  criada  duramente  e  recebeu  uma  educação  muito  boa  o  que  era  muito
                  importante para mim. Ela tinha uns trinta anos e a sua filha Érica tinha
                  oito anos quando nos conhecemos. Na sua infância ela começou a ganhar
                  um pouco  de  dinheiro e aprendeu rapidamente  o valor do  trabalho nas
                  plantações  de  algodão,  na  fábrica  de  masca  de  tabaco  e  no
                  condicionamento das castanhas de caju do qual o Ceará é um dos primeiros
                  produtores mundiais.


                  Sem  ser  um  trabalho  escravo,  era  evidente  que  o  respeito  das  leis
                  trabalhistas não era uma preocupação prioritária de seus empregadores.

                  Sem  ser  declarada,  ela  não  podia  se  queixar  nos  órgãos  de  fiscalização

                  trabalhista: é outro paradoxo do Brasil.

                   Processar os seus empregadores, para muitos empregados, é inútil; é a luta
                  do pote de terra contra o pote de ferro.

                  Atualmente,  os  fiscais  do  trabalho  usam  drones  para  encontrar
                  trabalhadores em situação irregular, sem carteira de trabalho.


                  Naquele momento da minha vida, eu me questionava bastante.

                   Continuar  em  Paris  sozinho,  trancado  num  apartamento  de  aluguel  há
                  mais de vinte anos ou recomeçar uma vida nova, me adaptar a uma vida
                  totalmente diferente, em plena floresta, com a Eliane e a filha dela Érica,

                  que tinha oito anos de idade.

                  A ideia de tornar-me novamente um pai, assumir essa responsabilidade e
                  ter a capacidade de criar a Érica na felicidade me deixava pensativo já que
                  tinha dedicado pouco tempo à educação da minha própria filha Verifique.

                  A expatriação implicava a substituição do meu mundo que tinha sido cheio

                  de “calos” até então.
   84   85   86   87   88   89   90   91   92   93   94