Page 15 - Nos_os_bichos
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“Durante a noite, os cinco lobos mais velhos da alcateia foram passear na floresta. Reconheceram o
                  cheiro dos humanos e foram atrás deles para os tentar caçar. Eles disseram que estes humanos não se pareciam
                  com caçadores, que eram diferentes. Não tinham as armas grandes e pesadas amarradas ao pescoço, usavam
                  vestimentas diferentes e pareciam mais jovens. O que eles viram foi, basicamente, três humanos todos juntos.

                  Estavam felizes e tranquilos mas, de repente, dois deles tiraram uma lâmina do bolso e encurralaram o outro.
                  Durante esse tempo, não viram muito mais. Quando os outros se afastaram e foram embora, deixaram o outro
                  humano no chão da floresta. Morto.”
                        Isto foi o que um dos lobos mais jovens me contou. Eu achei muito estranha a atitude dos humanos, mas

                  não me preocupei com os lobos. E esse foi o meu único erro. Nessa mesma noite, os cinco lobos que tinham
                  visto o assassinato, dominados pela curiosidade, sentiram necessidade de ver o que acontecia, caso eles
                  fizessem o mesmo, mas com a alcateia. Essa última noite foi um pesadelo: todos lutaram até ao fim, todos
                  lutaram contra todos, todos estavam irritados com todos. E de repente tudo o que eu tinha feito por esta alcateia

                  foi destruído em alguns sangrentos e dolorosos minutos. O que antes fora um canto agradável e sereno, tornava-
                  se agora num mar de sangue. Os corvos cantavam à nossa volta uma música melancólica e macabra.
                        Na única vez em que eu fui considerado um membro importante na alcateia…acontecera esta tragédia!
                        ***

                        Acordei sobressaltado. Tinha sido o meu pesadelo mais horrível e confuso até agora. Olhei para o relógio
                  na minha mesinha de cabeceira. Estava atrasado! Levantei-me, vesti-me rapidamente e preparei a mochila.
                  Passei pela cozinha e roubei uma peça de fruta para o pequeno-almoço. Dirigi-me à porta pronto para sair e ir
                  a correr até à paragem do autocarro.

                        -Filho, espera.
                        Virei-me um pouco confuso e perguntei à minha mãe qual era a razão de ela estar com aquele olhar tão
                  triste:
                        - O que se passa, mãe?

                        Ela abriu a boca para começar a falar, mas antes que ela dissesse alguma coisa foi interrompida pela
                  voz horripilante do meu pai, que se encontrava atrás de mim e em quem eu ainda não tinha reparado:
                        - Não precisas de explicações, garoto.
                        Ele sempre foi assim: um pai ausente e independente. Durante dias, desaparecia de casa e voltava com

                  a garrafa na mão, sempre pronto para bater em alguém. Quando lhe perguntávamos o porquê daquela ausência,
                  ele fazia ameaças loucas à minha mãe e inventava uma desculpa qualquer acerca do trabalho. Nem eu nem a
                                    minha  mãe  gostávamos  da  sua  presença,  daí  ela  estar  tão  triste.  Mesmo  assim,
                                    perguntei-lhe:

                                         - Pai? Porque é que vieste a casa hoje? Aconteceu alguma coisa no trabalho?
                                         - Não é da tua conta.
                                         Eu não queria ficar em casa desta vez, com aquele selvagem. Até ir para a escola
                                    e ouvir os rufias a comentar as minhas marcas seria melhor do que aquilo.

                                         - Eu já estou atrasado. Tenho de apanhar o autocarro.




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