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Capítulo 6

                    tenho dinheiro para comprar outra, mas estou cismada com esta água”,
                    disse dona Iracema, durante reunião do Fórum Capixaba em Defesa do
                    Rio Doce, ocorrida em Regência (Anotações do caderno de campo, dia
                    13/02/2016).
                    De maneira geral, as reclamações a respeito da água fornecida pelo SAAE
                    de Linhares envolviam o gosto de ferrugem, cheiro ruim, cor amarelada,
                    bolhas marrons, oleosidade e bastante sujeira. A falta de água também
                    passou a ser corriqueira. Esses fatores levaram os moradores de Regência
                    e Povoação que tinham condições financeiras a se valer da água mineral
                    não só para o consumo, mas também para atividades rotineiras, como a
                    preparação de alimentos ou mesmo a higiene pessoal. “A água realmente
                    é cara quando você usa para cozinhar, para tudo, fazer o básico, né: fazer
                    um café, um arroz, lavar um feijão, lavar um arroz. Pelo menos para a gen-
                    te se alimentar e consumir a gente tá procurando usar a água mineral. Eu
                    não tenho coragem. Eu não tenho segurança. Tenho medo na verdade!”
                    (Adriana, comerciante, moradora de Regência, em conversa no mês de
                    fevereiro de 2016).
                    A contaminação da água trouxe consigo efeitos adversos para outra ati-
                    vidade importante na região, a agricultura. Tanto Regência quanto Po-
                    voação, embora a última com um ligeiro destaque, têm na agricultura
                    uma importante atividade econômica. A tradicional cabruca, plantação
                    de cacau sombreada por árvores nativas da Mata Atlântica, espalha-se
                    por ambas as margens do rio. Além disso, as ilhas formadas com o passar
                    dos anos de assoreamento são profícuas não só na produção cacaueira,
                    mas também de hortaliças, banana, milho, feijão, abóbora, entre outros
                    alimentos. Diante do anúncio da chegada da lama, muita gente tirou as
                    bombas de irrigação somente para pô-las de volta à medida que funcio-
                    nários da Fundação Renova (a partir da assinatura do TTAC) visitavam as
                    comunidades informando que a água era própria para irrigação e desse-
                    dentação animal (Anotações do caderno de campo, dia 29/11/2016).
                    Apesar disto, a produção agrícola da região caiu muito e não só a das cul-
                    turas irrigadas, que ficaram sem ver água por bastante tempo. Muitos agri-
                    cultores afirmam que os lugares onde a lama bateu, seja nas margens do
                    rio ou das ilhas que têm contato constante com a água, ou naqueles que
                    foram inundados com a ligeira cheia ocorrida no verão de 2016 para 2017,





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