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Capítulo 7
A pescadinha, o dorminhoco, tudo quanto é peixe, xaréu, sarda,
cação, guaibira, o forte é agora, a nossa pesca forte é de novem-
bro a fevereiro, é o período que a gente ganha bastante dinhei-
ro, eu vi o peixe que me deram, eu fui tratar ela tava com aquela
lama na escama, eu fui escamar ela, aí aquela escama com aquela
lama amarela difícil de sair, eu acho que é a lama do negócio,
porque eu já tratei bastante peixe, a mulher já tratou, aí eu vi ela
tratando, fazendo filezinho, botava na água de gelo né, pra fazer
o filé, a gente tira o filé e joga na água de gelo pra depois colocar
nas bandeja pra poder enrolar, ela ficava branquinha tudo limpi-
nho, branquinha mesmo, que a pescadinha é branquinha, e eu já
tratei bastante aí, mas agora cê limpa, limpa, limpa e ainda fica
agarrado aquele amarelo, essa cor laranja fica agarrada no couro-
zinho dela, é difícil tirar.
[Entrevista realizada pela equipe do Grupo de Estudos e Pesqui-
sas em Pesca e Desenvolvimento no Espírito Santo (GEPPEDES)
em fevereiro de 2017].
Desta forma, o corte de rede que observamos se desdobra inúmeras vezes,
passando pela substituição dos entes em relação alimentar, onde o peixe
vira boi, frango ou porco, carnes exógenas, vendidas nos mercados. Para
muitos, o peixe deixa de existir como ente integrante dessa forma de re-
lação ou, em outros casos, passa a significar outras coisas, como veículo
de doenças que podem se manifestar no futuro. A questão do tempo em
que se manifesta a contaminação do pescado foi uma observação recor-
rente na comunidade, principalmente no que diz respeito às concepções
sobre quem poderia se arriscar no consumo, que seriam os mais velhos,
e, por outro lado, os que não podiam comer, que seriam as crianças, devi-
do ao fato de que o risco do desenvolvimento de doenças decorrentes do
acúmulo de metais pesados ser encarado como algo progressivo e que só
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seria sentido de fato no futuro – e que, portanto, para as crianças, deveria
ser mais irredutivelmente evitado; para os velhos, por outro lado, não de-
9 Essa percepção que localiza no futuro os danos fisiológicos do consumo do peixe, identifi-
cada tanto na fala de residentes locais quanto na fala de técnicos e pesquisadores das ciências
naturais, como apresentaremos a seguir, pode ser problematizada por outras manifestações
dos atingidos, que relataram diversas doenças sem diagnóstico e afecções da pele (principal-
mente) em audiências públicas e em publicações nas redes sociais.
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