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Capítulo 7
ao aumento de gastos com alimentação observado durante a pesquisa, o
que também foi relacionado com um prejuízo social e afetivo, alterando
relações e modos de vida.
A alteração no acesso ao peixe como parte da alimentação se deu por uma
série de condicionamentos, bem como gerou uma série de outras conse-
quências. As proibições na pesca e o medo gerado pelas incertezas foram
alguns dos fatores condicionantes, sendo a implementação do cartão uma
das mudanças mais emblemáticas no novo cenário. Esmiuçando-se o im-
pedimento do acesso ao pescado, diversas questões de cunho econômico se
desdobraram no processo de implementação do cartão e geraram altera-
ções marcantes na vivência financeira das famílias, como, por exemplo, as
dinâmicas de gestão do recurso financeiro – sobre quem recebia o benefício
no domicílio, quanto recebia e com que frequência recebia. Destarte, tudo
mudou com a entrada do cartão como substituto da renda antes provenien-
te da pesca ou do comércio e atividades associadas (importante frisar que
apenas as consideradas impactadas pela empresa), desde a dinâmica finan-
ceira até o poder de compra. O trecho do relatório de pesquisa transcrito
abaixo demonstra alguns dos principais aspectos alterados pelo cartão:
No universo total pesquisado, o “cartão” (auxílio emergencial)
abrangeu 39% dos entrevistados. A diferença foi mínima entre
Regência (38,2%) e Povoação (39,6%). Sem adentrar a espinhosa
questão da abrangência da distribuição do cartão, salientamos
uma questão frequentemente levantada em campo: a do limite
de saque e a periodicidade mensal do depósito. A periodicidade
e o limite mensal contrastam com a realidade até então vivida na
região: do pagamento por diárias e o recebimento pelo sucesso
do esforço realizado, seja numa colheita farta de cacau seja numa
boa pescaria. Ou, ainda, na empreitada da construção de uma
casa ou um feriado movimentado. Além desta violenta transfor-
mação em relação ao tempo anteriormente vivido, também mos-
trou-se violento o processo de adaptação dos habitantes da região
às novas demandas e experiências que surgem, nivelando por
baixo e homogeneizando as diferentes realidades e relações pré-
vias travadas entre os habitantes destas comunidades, o Rio Doce,
o oceano, o solo e demais entes. (LEONARDO et al., 2017, p. 21).
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