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Vidas de Rio e de Mar: Pesca, Desenvolvimentismo e Ambientalização

               ser considerada, também, como um corte de rede de relações entre seres
               heterogêneos, no sentido alimentar, bem representado na fala de outro
               interlocutor da comunidade:

                       [...] já tinha uma questão [...], quando ele, o Tamar chegou aqui ti-
                       rou a questão da, da, da tartaruga da alimentação, como os ovos, a
                       proteína, isso prejudicou muito os nativos caboclos, agora, com a
                       retirada do peixe da dieta, você tem uma tendência muito grande
                       ao que, agora eles vão começar ao que, a consumir o que, a indus-
                       trialização, cê tá tirando, tendência aí a não muito longo prazo cê,
                       é... exterminar a cultura total dessa comunidade ainda que, que
                       eu venho acompanhando, e, pra eles, tão tentando se agarrar no
                       que, que acha que é benefício pra eles, que muitos aí não têm,
                       pelo que eu vejo, outra coisa assim, uma preocupação deles, pra
                       onde eu vou, o que que eu vou fazer se eu num acreditar de que
                       eu posso cair no mar, de que eu posso consumir o peixe, muitos
                       tão, tem que se agarrar nisso e achar que, que, de alguns falaram
                       assim, ‘mas isso aí pode ser boato, mentira que eles tão inventan-
                       do’, o pessoal que é do contra, entendeu, a Samarco já vendeu um
                       pouco desse peixe de que num é tanto isso que tão falando, é só
                       pra botar medo.

                       [Entrevista realizada pela equipe do Grupo de Estudos e Pesqui-
                       sas em Pesca e Desenvolvimento no Espírito Santo (GEPPEDES)
                       em maio de 2016].

               Com isso, a característica alimentar que estamos acionando enquanto
               foco de análise pode ser identificada a partir dos trabalhos de campo e
               nos questionários aplicados durante a etapa de pesquisa quantitativa,
               uma vez que as questões sobre a alimentação foram constantemente dire-
               cionadas para a ausência da proteína, alterando as preferências, os prepa-
               ros, as tradições, as festas, as relações com o pescado, as formas de aquisi-
               ção e demais enredamentos. Estes foram reorganizados abruptamente a
               partir da proibição e da introdução do valor que o cartão representou na
               comunidade, embora ainda não se tenha uma ideia da escala temporal
               dessa alteração.


               e FONTINELLI, 2016.




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