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Sandra M. G. Pinto FRAGMENTA HISTORICA
Assim, quem mandou fazer o foral da fazer a conversão . Todavia, a verdade é que
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almotaçaria de Lisboa foi um dos dois até ao novo sistema ficar estabilizado não
almotacés grandes, maiores ou mores , da deixou de haver alguma confusão, colocando-
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cidade, que durante um mês andou no ofício. se nas escrituras “juntamente com o anno de
Mas sobre ele, para além do nome e do título Cristo a Era de Cesar, ou se equivocava a mesma
nobiliárquico, pouco mais se pode saber Era com o anno, pondose muitas vezes o anno
com certeza, agravado pela circunstância pela Era; e assim mesmo ao contrario, servindo
de se terem perdido os primeiros livros das esta palavra a ambos os cômputos” . Ora,
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vereações da cidade , os quais poderiam é precisamente esta a dúvida que o foral da
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conter ou esclarecer outras informações, como almotaçaria de Lisboa coloca, pois nele surge
a própria razão da compilação do conjunto a expressão “era de mjll iiijº Riiijº anos”, o que
normativo. permite extrair duas datas: ou o ano de 1406
Acresce ainda a esta dificuldade a dúvida (era de 1444), ou o ano de 1444. Isto significa
subjacente à própria data. Como se sabe, D. que o foral, ou foi produzido no reinado D.
João I alterou a contagem do calendário juliano, João I, ou no reinado de D. Afonso V durante
ou era de César, para o calendário gregoriano, a regência de seu tio D. Pedro, Duque de
ou ano do nascimento de Jesus Cristo, o qual Coimbra. Com efeito, se Maria Teresa Campos
diferia do primeiro em menos 38 anos. Assim, a Rodrigues ao organizar o índice do Livro das
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partir de 22 de agosto de 1422 (era de 1460), Posturas Antigas alertou para este problema ,
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os tabeliães e escrivães ficaram obrigados a não deixou contudo de considerar como data
provável para o regulamento em apreço o ano
mais recente .
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leit. paleog. e transc. Maria Teresa Campos Rodrigues,
Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 34 Cf. Título LXVI, Livro 4, das Ordenações Afonsinas,
1971, pp. 275-276; também em Ordenações Del-Rei D. 5 vol.s, fac-símile da edição da Real Imprensa da
Duarte, apres. Mário Júlio de Almeida Costa, Lisboa, Universidade, Coimbra, 1792, apres. Mário Júlio de
Fundação Calouste Gulbenkian, 1988, p. 366. Almeida Costa, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian,
31 Convém, contudo, não confundir os almotacés-mores 1984, pp. 233-234.
das estruturas administrativas locais com o ofício 35 José Soares da Silva, “Dissertaçaõ sobre o numero
régio de almotacé-mor, cuja função era controlar o Era”, in Collecçam dos documentos, com que se
abastecimento dos géneros alimentícios da corte e da authorizam as memorias para a vida delRey D. Joaõ o I.
limpeza dos caminhos por onde esta passasse, tendo Tomo Quarto, Lisboa, Na Officina de Joseph Antonio da
para o efeito regulamentação específica. Deste ofício Sylva, 1734, p. 140.
régio, e não obstante a sua criação andar atribuída 36 De acordo com as palavras de Maria Teresa Campos
a D. Afonso V (Ruy d’Abreu Torres, “Almotaçaria”; Rodrigues, “Índice dos documentos”, em Livro das
“Almotacé”, in Dicionário de História de Portugal, dir. Posturas Antigas…, p. 459 (nota): “A datação dos
Joel Serrão, vol. 1, Porto, Livraria Figueirinhas, 1981, documentos de, grosso modo, o primeiro quarto do
p. 121), as Cortes de Lisboa de 1439 esclarecem que códice é um tanto aleatória. Verificamos através de
foi D. Duarte quem ordenou “Allmotaçe moor nom elementos que possuímos que a designação de era
por neçesydade mais por comprir vomtade mostrando nalgumas datas não correspondia à realidade e que
que se fazia por boom Regymento”; ofício que nestas não era pois lícito fazer a redução de 38 anos na data
mesmas Cortes acabou por ser abolido. Cf. Cortes apresentada. Outras vezes através desses mesmos
Portuguesas, Reinado de D. Afonso V (Cortes de 1439), elementos foi-nos possível com confiança reduzir as
org. João José Alves Dias, Pedro Pinto, Lisboa, Centro eras a anos”.
de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 37 Maria Teresa Campos Rodrigues, “Índice dos
2016, p. 97. documentos”, em Livro das Posturas Antigas…, p. 465.
32 Maria Teresa Campos Rodrigues, Aspectos da Também Iria Gonçalves, “Posturas Municipais”…, p.
administração municipal de Lisboa…, p. 38. Mário 167, considerou estas posturas do ano de 1444. Um
Farelo, A oligarquia camarária de Lisboa (1325-1433), problema similar encontra-se no Livro da Repartiçom
Tese de Doutoramento apresentada à Universidade de da Fruita do concelho de Loulé, pois nele se apresenta
Lisboa, 2008, pp. 13-15. a expressão “Era de 1450 anos”. Se Alberto Iria propôs
33 Ou, 14 de agosto, já que de acordo com José a conversão para o ano de 1412, Maria Valentina Garcia
Domingues, As Ordenações Afonsinas, Três Séculos de Ferreira mostrou, através de factos históricos, que não
Direito Medieval (1211-1512), Sintra, Zéfiro, p. 393: era possível atribuir tal data, considerando, então, o ano
“A data, nas Afonsinas, de 22 de Agosto é a data da de 1450 como “única data historicamente aceitável”.
publicação em Lisboa, porque a lei é, com certeza, de Maria Valentina Garcia Ferreira, “O documento
14 de Agosto”. medieval português Livro da Repartiçom da Fruita e a
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