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FRAGMENTA HISTORICA                         Em torno do foral medieval da almotaçaria de
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           Assim sendo, e usando este intervalo       (é que, mesmo estando na frontaria alentejana
           cronológico como referência, ao cruzar     nos  últimos  anos  do  século  XIV,  as  tréguas
           outras fontes, encontra-se um escudeiro – ou   ocorridas  de  1389  a  1395   permitiriam  ao
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           como  Fernão  Lopes  o  qualificou:  “um  bom   criado do Condestável, durante o ano de 1393-
           escudeiro” – também ele chamado de “Joham   1394, estar em Lisboa a desempenhar cargos
           Estevez Correa”, ou referido apenas como João   camarários).  E  finalmente:  poderá  ainda  ser
           Esteves, casado e morador em Lisboa. Sobre   o almotacé-mor da cidade que compilou o
           ele sabe-se que ajudou o Mestre de Avis na   foral da almotaçaria? Ou, pelo contrário, eram
           defesa do reino antes da sua aclamação como   pessoas diferentes?
           rei; participou ao lado de Nuno Álvares Pereira
           na batalha de Valverde (1385), seguindo depois   Neste ponto e antes de avançar, importa
           com Antão Vasques numa outra incursão      considerar uma outra informação. Tal como
           contra Castela, tendo, aliás, sido peça decisiva   veio  a  ficar  regimentado  para  Évora  e, por
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           na localização das tropas inimigas; e ainda,   cópia adaptada, para Arraiolos , é bem possível
           enquanto “vassallo d’el-rei de Portugal e creado   que nesta época em Lisboa os indivíduos que
           do Condestrabre” – conforme a descrição do   desempenhavam os mais elevados cargos
           próprio –, foi enviado ao castelo da Feria, em   camarários eletivos – isto é, juízes, vereadores
           território inimigo, no início de junho de 1398,   e  procuradores  –  depois  de  deixarem  estas
           com a mensagem que estabelecia o dia e o
           lugar da eminente batalha, que, todavia, não   40  Manuel Maria Wermers, Nun’Alvares Pereira, A sua
           chegou a acontecer por falta de comparência   cronologia…, pp. 7-99.
           dos castelhanos .                          41   O  Regimento  de  Évora  definia  que  os  lugares  de
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                                                      almotacé nos primeiros meses do ano deveriam ser
           Por outro lado, em estudo recente, Mário Farelo   ocupados por oficiais do ano transato. Assim, ocupavam
           inventariou  no  corpo  dos  oficiais  concelhios   no primeiro e  segundo  meses do ano  os juízes, no
           lisboetas desta época três homónimos. Um   terceiro e quarto meses dois pares de vereadores,
                                                      e no quinto mês os procuradores. Para os restantes
           primeiro João Esteves foi juiz do cível no ano   sete meses escolhia-se gente nova entre os homens-
           camarário  de  1393-1394;  um  segundo  João   bons. Cf. Título V do “Regimento da cidade de Évora”,
           Esteves, escudeiro, foi procurador do concelho   em  Documentos históricos da cidade de Évora, pub.
           nos anos de 1404-1405 e 1405-1406; e um    Gabriel Pereira, fac-símile da edição da Évora, 1885-
                                                      1891,  Lisboa,  Imprensa  Nacional  –  Casa  da  Moeda,
           terceiro João Esteves foi também procurador   1998, p. (parte I) 164, ou no “Livro do Regimento de
           do concelho em 1412 e no ano de 1417-1418 .   Évora”, em Os regimentos de Évora e de Arraiolos do
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           Os informes anteriores permitem levantar   e transc. Sandra Paulo, Évora, CIDEHUS-UE, 2012, p. 24.
           uma  série  de  questões.  Poderão  todos  os   Este regimento foi datado criticamente, por Hermínia
           oficiais  homónimos  ser  o  mesmo  indivíduo?   Vilar, da “segunda metade da década de dez ou nos
                                                      primeiros anos da década de vinte do século XV”, ou,
           Mais: poderá este indivíduo ser também o   mais precisamente, segundo proposta recente de
           escudeiro que combateu ao lado de D. João I?   José Domingues, de 1421. Hermínia Vasconcelos Vilar,
                                                      “Entre Évora e Arraiolos: o percurso de um documento”,
           sua datação (Análise de dados internos e externos)”,   em  Os regimentos de Évora e de Arraiolos do século
           in Actas do VIII Encontro da Associação Portuguesa de   XV…, p. 13; José Domingues, “Ordenações portuguesas
           Linguística, Lisboa, Colibri, 1993, pp. 171-184.  desaparecidas e duvidosas”, in e-SLegal History Review,
           38  Cf. Fernão Lopes, Chronica d’El-Rei D. João I, 7 vol.s,   vol. 17, 2014.
           Lisboa,  Escriptorio,  1897-1898,  vol.  3,  pp.  98-103;   42  O Regimento de Arraiolos definia que os lugares de
           vol. 5, pp. 20-27, vol. 6, pp. 140-143; Estoria de Dom   almotacé deveriam ser cumpridos no primeiro mês
           Nuno  Alvrez  Pereyra.  Edição  crítica  da  «Coronica  do   pelos juízes, no segundo mês por um par de vereadores
           Condestabre», intr., notas e glos. Adelino de Almeida   e no terceiro mês por um vereador e pelo procurador,
           Calado, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1991,   todos do ano transato, escolhendo-se gente nova entre
           pp. 167-175. Ver também, Manuel Maria Wermers,   os homens-bons para os restantes nove meses do ano.
           “Nun’Alvares  Pereira,  A  sua  cronologia  e  o  seu   Cf. “Livro do Regimento de Arraiolos”, em Os regimentos
           itinerário”, in Lusitana Sacra, vol. 5, Lisboa, 1960, pp.   de Évora e de Arraiolos do século XV…, p. 81. José
           7-99.                                      Domingues data este regimento de 1 de junho de 1423
           39  Mário Farelo, A oligarquia camarária de Lisboa…, pp.   ou ano posterior, de 1424 até 1429. José Domingues,
           488-489.                                   Ordenações portuguesas desaparecidas…, p. 11.


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