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FRAGMENTA HISTORICA                         Em torno do foral medieval da almotaçaria de
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           uma outra sua parede e possuía, no topo da   correspondem textualmente aos itens do
           sua azinhaga, uma parede demasiado baixa.   regulamento mandado fazer por João Esteves
           Tudo isto provocava  dano e prejuízo a Antão   Correia, algo que pode dever-se ao facto de
           Gonçalves, pois permitia que João Garcês ou   terem sido “concertados com os publicos”. Já
           os servidores dele devassassem visualmente,   a citação das normas jurídicas pelas partes
           lançassem sujidades e entrassem na sua     envolvidas permite  supor que  estas estavam
           propriedade.  Se  na  petição  o  autor  da  ação   bem informadas sobre os seus direitos nesta
           justificava  a  queixa  afirmando  que  “o  forall   matéria.
           da dita çidade mandava que as paredes dos   Uma quarta menção relaciona-se também
           eyrados quando quer que sse aujam de fazer   com  as  referidas  alterações  promovidas
           aujam de sser tam altas que nom descobrissem   por D. Afonso V. Se a disposição da carta de
           sseus vezinhos nem que sse podesse njmgem   1474  tinha  como  fim  os  atravessadouros,
           lançar ssobre ellas nem tam pouco se possa   uma ordem similar de D. Manuel I teve como
           fazer fresta em parede senom mujto pequena   desígnio as restantes estruturas salientes sobre
           e estreyta per que sse nom podesse descobrir   as ruas. De facto, a 17 de junho de 1499, este
           o  uezinho”, no auto judicial  que  se seguiu,   rei enviou uma provisão ao concelho lisboeta
           Antão Gonçalves chegou mesmo a citar “dous   estabelecendo “que daquy em dijamte se nom
           foraes” (na verdade, três), correspondendo,   huse do foral e capitollo que fala nas sacadas
           portanto,  aos  itens  21,  22  e  23  do  foral da   que se fazem nas cassas que posam tomar
           almotaçaria de Lisboa, justamente aqueles   a terça parte da Rua”,  proibindo, assim, a
           que diziam respeito às paredes meeiras. Como   construção de novas sacadas e a reconstrução
           o  caso  não  ficou  logo  resolvido,  fez-se  uma   das existentes, devendo todos aqueles que
           nova audiência, na qual o réu, em sua defesa,   quisessem corrigir as sacadas existentes fazer
           acabou também por invocar um dos itens do   parede direita . O “capitollo” em causa era,
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           foral, concretamente o 33.º sobre a prescrição   então, o item 28 do  foral da almotaçaria de
           das  queixas,  na  tentativa  de  anular  a  ação.   Lisboa. Aliás, o processo de supressão dos
           Seguiu-se, então, uma discussão sobre as   elementos salientes sobre as ruas estava no
           normas, o que levou os almotacés a pedirem   seu início, o qual, depois, foi mesmo estendido
           pareceres  exteriores  a  dois  pedreiros. Na   a “todolos balcoens e sacadas de todolas
           sessão que resolveu a contenda, conduzida   ruas” da cidade , eliminando-se assim uma
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           já por um outro par de almotacés (Diogo    das estruturas construídas mais expressivas e
           Gomes e Lourenço Mendes), foi dada razão   representativas dos edifícios medievais.
           ao autor, cuja fundamentação se apoiou nas
           normas dos “foraaes dalmotaçaria e o dereyto   Uma quinta menção encontra-se também
           comuum que sobre ello falla”. Não agradado,   numa outra carta de D. Manuel I para a câmara
           o réu apelou para os vereadores, conforme   de Lisboa. Se este, em 31 de março de 1519,
           o  direito  lhe  permitia,  ainda  que  a  sentença   apenas mandou o concelho fazer “dous livros
           de apelação dada pelo juiz do cível Francisco   de  purgamiinho todos  e  bem emcadarnados
           Pestana confirmasse a decisão dos almotacés,   em tauoas”, sendo “tall huum como outro”, nos
           alterando apenas a responsabilidade do     quais deveria estar assentado “o regimento do
           pagamento das custas do processo ao dividi-  oficio dos ditos almotaçes e todalas pusturas
           las pelas partes .                         que a dita almotaçarya toquarem”, para serem
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           Os “foraes” compilados nesta sentença
                                                      95  Cf. doc. 38 do Livro primeiro del-Rei D. Manuel I, em
           94  Cf. ANTT, Colegiada de Santiago e São Martinho de   Documentos do Arquivo Histórico da Câmara…, vol. 4,
           Lisboa, Maço  2, doc.  10.  Ver  Apêndice  Documental,   p. 53; Livro das Posturas Antigas…, p. 238. Ver Apêndice
           Doc. 4. Um agradecimento é, novamente, devido ao   Documental, Doc. 5.
           Dr. Pedro Pinto, não só por nos ter alertado para a   96  Cf. doc. 75 e doc. 82 do Livro primeiro del-Rei  D.
           existência deste documento, como também pela sua   Manuel I, em  Documentos do Arquivo Histórico da
           preciosa ajuda na transcrição e sua correção final.  Câmara..., vol. 4, pp. 91 e 98.


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