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Sandra M. G. Pinto FRAGMENTA HISTORICA
Naturalmente, a hipótese mais imediata foi nome, em concreto, “ssa” – sendo este um
supor que o conjunto normativo plasmado dos marcadores importantes e balizadores
neste fólio seria uma cópia do foral da da distinção linguística do português da fase
almotaçaria de Lisboa ou, até mesmo, o próprio arcaica (séculos XIII a XIV) para a fase arcaica
documento coligido por João Esteves Correia, média (século XV até à primeira metade do
pois, como se disse, apenas se conhece o seu século XVI) –, por oposição à chamada forma
traslado no Livro das Posturas Antigas. Todavia, tónica, “ssua”, que estaria já generalizada a
a análise aprofundada ao texto do fólio em partir de 1380, pelo menos na documentação
causa releva que ele é anterior a qualquer das régia .
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datas possíveis do foral (1406 ou 1444), o que As considerações expostas são ainda
por si só elimina as conjeturas sugeridas. Por confirmadas por um outro dado que deriva
um lado, o tipo de letra parece ser de meados da coincidência de este fólio conter um item
do século XIV, não indo além do último quartel comum quer ao códice do Archivo Real y
desse século – sendo, aliás, muito similar à General de Navarra (§ 15), quer ao foral da
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letra do códice do Archivo Real y General de almotaçaria de Lisboa (§ 39). A comparação
Navarra. Por outro lado, a linguagem utilizada textual entre eles permite, pois, posicionar
é claramente mais antiga do que a do foral . cronologicamente o regulamento do fragmento
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E isto percebe-se não só pela presença de entre aqueles dispositivos normativos, já que
palavras portuguesas na sua forma mais arcaica se a linguagem é mais próxima ao documento
– caso de “ergo”, “erel”, “meyadade”, “logar”, do século XIV (inclusivamente até na notação
mais próximas, portanto, dos respetivos termos dos números), o conteúdo apresenta-se
latinos , ao contrário dos que aparecem no semelhante ao do século XV. Aliás, a posição
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foral, tendo a primeira sido substituída por relativa considerada também ajuda a explicar
“saluo” e as restantes surgem com a forma o facto de se encontrarem ausentes neste
de “ereo”, “lugar”, “metade” –, como também fólio os dois últimos itens do foral (§§ 47 e
pelo uso reiterado da forma átona no pronome 48), não obstante haver espaço suficiente no
possessivo feminino em posição anteposta ao pergaminho para os registar.
73 Esta informação deve-se à preciosa ajuda dada pela É, então, plausível admitir que o regulamento
Doutora Susana Tavares Pedro, também por intermédio fixado no fragmento corresponda a uma
do Dr. Pedro Pinto, a quem manifestamos o nosso primeira coleção das normas para o
profundo reconhecimento.
74 Naturalmente que, por não dominarmos a linguística ajuizamento das contendas de obras na cidade
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portuguesa histórica, todas as induções seguintes serão de Lisboa – no seguimento da compilação do
provisórias e passíveis de revisão.
75 De acordo com João pedro Machado, Dicionário 76 Sobre estas características ver Clarinda de Azevedo
etimológico…, vol. 2, p. 429; vol. 3, pp. 213-214 e 448; Maia, “O Tratado de Tordesilhas: algumas observações
vol. 4, pp. 117-118, o termo “ergo” derivava do latim sobre o estado do Língua Portuguesa em finais do
ergo e tinha no português mais antigo o sentido de século XV”, in Biblos, vol. 70, Coimbra, 1994, pp. 54-
exceto (salvo); o termo “erel” provinha do latim hērēde 58 ou da mesma autora, “A abordagem os textos
(herdeiro) e correspondia à variação de “(h)eree” medievais (reflexões sobre alguns fragmentos das
enquanto singular de “(h)erees”, por analogia às formas Partidas de Afonso X)”, in Actas do XII Encontro
antigas da flexão gramatical de palavras terminadas em Nacional da Associação Portuguesa de Linguística,
-l; o termo “meyadade” com origem no latim medietāte Lisboa, Associação Portuguesa de Linguística, 1997, vol.
era a forma mais antiga, tendo a palavra “metade” 2, pp. 160-161. Especificamente sobre os pronomes
derivado da mesma origem mas numa outra série, com possessivos femininos ver, ainda, Maria José Simões
tratamento semiculto do -t-; já o termo “logar” do latim Pereira de Carvalho, Do português arcaico…, pp. 103-
lŏcāle correspondia à grafia com maior frequência no 122.
português arcaico pelo menos até ao século XV. Sobre a 77 Não nos parece credível que o regulamento deste
evolução das formas de plural das palavras em singular fragmento pudesse pertencer a outra povoação – como
terminadas em -l, ver Maria José Simões Pereira de Vale de Cambra ou Oliveira de Azeméis (ver supra, nota
Carvalho, Do português arcaico ao português moderno, 71) – pela razão de este conter a cópia do § 15 das
Contributos para uma nova proposta de periodização, antigas posturas de Lisboa, bem como a norma sobre
Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade a transmissão do cargo de alvazil para almotacé, a qual
de Coimbra, 1996, pp. 123-140. só está documentalmente comprovada para Lisboa (ver
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