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FRAGMENTA HISTORICA Em torno do foral medieval da almotaçaria de
Lisboa
depois traduzido, um tanto literalmente, para Entretanto, importa chamar à colação
o português” , remetendo a origem e a prática um outro “regulamento” da almotaçaria,
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destas competências para uma época ainda descoberto em setembro de 2009 por Pedro
mais recuada. Pinto . Dele existe apenas um único fólio e
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Mas, outras provas que certificam a alçada dos que, provavelmente, só sobreviveu porque
almotacés lisboetas nas contendas de obras foi aproveitado em finais do século XVI como
encontram-se no século XIV. Nas Cortes de capa de um livro do Juízo dos Órfãos de Vale
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Santarém de 1331, nos capítulos especiais de de Cambra . Por isso, o texto deste conjunto
Lisboa, confirma-se que o conhecimento sobre normativo apresenta-se deveras truncado,
as questões relativas à abertura de janelas, não apenas pelo desaparecimento dos fólios
balcões e alugueres nas casas régias pertencia iniciais, mas também porque parte do fólio
aos almotacés com apelação para os alvazis, sobrevivente ficou deteriorado em especial
não podendo nelas intervir os oficiais régios . nas áreas afetadas pela dobragem e colagem.
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Do mesmo modo, em 23 de fevereiro de 1355, Apesar das dificuldades criadas pelo estado
D. Afonso IV, tomando em consideração uma material do fragmento conseguem-se
contenda sobre a abertura de frestas e janelas distinguir algumas particularidades: o suporte
já julgada pelos almotacés, ordenou que o é em pergaminho; o texto apresenta-se em
recurso das decisões destes oficiais fosse feito letra gótica cursiva, bem desenhada, sendo
apenas para os alvazis e não para os juízes do disposto em duas colunas, tendo a primeira 60
cível . Por tudo isto, torna-se incontestável linhas e a segunda apenas 5; a primeira coluna
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considerar que os almotacés lisboetas, desde é ocupada na sua totalidade pela mancha do
cedo, tiveram a jurisdição das demandas de texto, sobressaindo apenas os sinais de item.
obras . Estas características situam, sem dúvida, este
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fólio e, por maioria de razão, o próprio conjunto
normativo no período medieval. Relativamente
66 Magnus Roberto de Mello Pereira, A forma e o
podre, Duas agendas da cidade de origem portuguesa ao conteúdo textual, este fragmento revela na
nas idades Medieval e Moderna, 2 vol.s., Tese de primeira coluna a existência de 8 itens muito
Doutoramento apresentada à Universidade Federal do próximos aos do foral da almotaçaria de Lisboa.
Paraná, 1998, vol. 1, p. 119.
67 Cf. artigos 26.º e 28.º, em Cortes Portuguesas, Trata-se, concretamente dos itens 37 a 45,
Reinado de D. Afonso IV (1325-1357), org. A.H. de devendo ainda as primeiras linhas da primeira
Oliveira Marques, Maria Teresa Campos Rodrigues, coluna conter parte do item 36 e da segunda
Nuno José Pizarro Pinto Dias, Lisboa, Instituto Nacional coluna o item 46, que pela deterioração
de Investigação Científica, 1982, p. 69. 72
68 Carta inserida num instrumento em pública forma referida não são hoje passíveis de leitura .
de 9 de maio 1357. Cf. AML-AH, Chancelaria Régia,
Livro 1º de Sentenças, doc. 7. Esta carta encontra-se
também referida na obra Elementos para a Historia do 70 Pedro Pinto, “Fragmentos de pergaminho na Torre do
Municipio de Lisboa, 17 vol.s, pub. Eduardo Freire de Tombo: um inventário possível (1315-1683)”, in Revista
Oliveira, Lisboa, Typographia Universal, 1882-1911, vol. de História da Sociedade e da Cultura, vol. 14, Coimbra,
1, p. 241. Sobre a diferenciação entre alvazis (gerais ou 2014, p. 50. O pergaminho em causa tem como
ordinários) e juízes (especializados) do cível e do crime, dimensões 25,5 por 40,9 centímetros e está descrito na
bem como, sobre a mudança terminológica de alvazis base de dados em-linha BITAGAP (Bibliografia de Textos
para juízes, ver Mário Farelo, A oligarquia camarária de Antigos Galegos e Portugueses) com o Manid 4446.
Lisboa…, pp. 38-40. 71 ANTT, Juízo dos Órfãos de Vale de Cambra, Livro
69 Em rigor, também o homónimo islâmico al-muḥtasib 6, capa. Este livro foi produzido entre 1593 e 1661 e
tinha, não apenas esta, como as outras competências pertencia à comarca de Oliveira de Azeméis (atualmente
encontradas na almotaçaria portuguesa, o que permite integrado no distrito de Aveiro).
supor que a cristianização deste oficial se deu ao nível 72 Ver Apêndice Documental, Doc. 1 e a respetiva
terminológico, mas também, ao nível das funções reprodução em imagem do fragmento. Um sentido
desempenhadas. Sandra M. G. Pinto, Sandra M. G. Pinto, agradecimento é devido ao Dr. Pedro Pinto, não só por
As interacções no sistema das operações urbanísticas nos ter facultado a imagem deste documento, como
nos espaços urbanos portugueses até meados de ainda pela sua preciosa ajuda na transcrição e correção
Oitocentos, Tese de Doutoramento apresentada à final. Ver ainda a segunda e a terceira colunas da tabela
Universidade de Coimbra, 2012, pp. 99-103. anexa.
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