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FRAGMENTA HISTORICA                         Em torno do foral medieval da almotaçaria de
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           Em suma, a presença e a ausência de        almotaçaria de Lisboa.
           determinados assuntos nas fontes normativas
           levam a considerar que o regulamento do
           fragmento  pode  ter  tido  como  principal   Da vigência legal
           desígnio o registo escrito das normas jurídicas   Inserido num universo cronológico caracterizado
           utilizadas no arbítrio e resolução das demandas   essencialmente pela fragmentação, imprecisão
           vicinais derivadas da atividade construtiva. Já   e  omissão  das  fontes  documentais  –
           o foral mandado fazer pelo almotacé-mor da   advertência constante nos estudos medievais
           cidade de Lisboa parece corresponder a um   –, não deixa de ser revelador da importância e
           novo registo e ampliação dessas regras. Nesse   da vigência do foral da almotaçaria de Lisboa, a
           sentido,  se  se  considerar  não  só  as  vinte  e   circunstância de se encontrarem documentos
           duas normas sobre o assunto, mas também,   coevos que o referem.
           as oito normas processuais necessárias ao   Uma primeira menção encontra-se na carta
           bom funcionamento do próprio juízo, pode-se   régia, enviada por D. Afonso V em 25 de agosto
           mesmo afirmar que bem mais de metade do    de 1457, ao desembargador régio, doutor Lopo
           foral tinha em vista o domínio da construção.   Vasques, o qual por  especial  mandado  era
           Além disso, é somente neste contexto que se   também corregedor da corte. O rei pedia que
           vão encontrar referências escritas ao foral da   o corregedor fosse tomar conhecimento de
                                                      uma contenda que opunha Fernando Álvares,
           fumdo de lopo diaz”; “Ordenaçom que nam lançem   escudeiro e vassalo do rei, a João Álvares,
           esterco  nem  azeuell  detras  a  ossya  do  carmo”;   calafate, por causa de umas casas feitas pelo
           “Ordenaçom que nam talhem pescado de cuytello no
           açouge senom a longo do muro”; “Ordenaçom que   primeiro. O corregedor devia, então, com
           nam lançem esterco a porta dalcaçoua”; “Ordenaçom   uma  carta  que  o  rei  já  lhe  tinha  enviado,
           que nam lançem esterco aa porta da cruz atee o marco   pedir à câmara o feito em disputa e solicitar
           ssenom nos fornos velhos”; “Ordenaçom do foguo”;   também que fizesse “vijr o forall della. E algũus
           “Ordenaçom do chafariz dos caualos”; “Ordenacom
           qe nenhũu nam lançe esterco nem azeuall nem outra   mesteiraaes  asy  carpenteiros  como  pedreiros
           çuJidade aa porta dalfama honde lauam as molheres   os mais antigos que hi ouuer e que em a dita
           de dentro nem de fora”; “Ordenacom que nenhũu nom   obra mais entendam”, para todos irem ao sítio
           lançe aguoa çuJa nem linpa no cano que se ora cobre”;   da  obra,  verificar  o  pleito  e  decidir,  através
           “Ordenacom que nam lançem lixo nas couas do muro”;
           “Ordenacam que nenhũu nom lançe lixo a rredor dos   de casos semelhantes, o desembargo posto
           muros”; “ordenaçom que nam lançem agoas çuJas nem   à obra, nem que para isso fosse necessário
           outras çuJidades na rrua dereita que vay pera a porta da   desembargar por sentença .
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           Judiaria”; “Ordenaçom do varrer as Ruas”; “Ordenacom
           que  nenhũu  nam  lançe  esterco  nem  azeuell  honde   A referência ao nome do regulamento – foral
           descarregam as barcas o pescado”; “Ordenaçom que   –  associado  à  contenda  de  obras,  não  deixa
           nam tirem barro nem area nem terra do monte de son   margem para dúvidas: tratava-se do  foral
           muro de sam françisco”; “ordençom que nam ponham
           na  rribeira  lenha  nenhũa  saluo  se  for  motanez”;   da almotaçaria de  Lisboa. Relevante, é que
           “ordenaçom que na escalem pescado nem façam salga   este caso mostra também o rei a interferir
           nas rruas e praças da dicta çidade dos muros adentro”;   numa jurisdição  que  por  privilégio  régio
           “ordenaçom como a de çima”; “ordenaçom que nam   pertencia somente ao concelho , enviando,
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           lançem agoa cuja nem azeuell sobre os arcos que estam
           aa fonte da froll”; “Ordenaçom que nam lançem esterco
           nem outras çuJidades nas rruas e becos da Judaria   87  Cf. AML-AH, Chancelaria Régia, Livro 2º de D. Duarte
           grande”;  “que  nam  tirem  barro  de  pee  do  valado  da   e D. Afonso V, fl. 38; e doc. 38 do Livro segundo dos
           herdade de sam bras”; “que nam lauem nas fomtes   reis D. Duarte e D. Afonso V, em Documentos do Arquivo
           nem chafarizes; que nam lançem terra nem çugidade   Histórico da Câmara Municipal de Lisboa – Livros de
           no rressyo”; “do esterco e azeuell e lixo nas abertas do   Reis, 8 vol.s, Lisboa, Câmara Municipal, 1957-1964, vol.
           rresio”; “dos porcos quando forem achados no paço do   2, p. 301. Ver Apêndice Documental, Doc. 2.
           trigo”; “das bestas mortas e cãaes e esterco que nam   88  Privilégio estabelecido no foral de 1179 e ao qual a
           lançem na rrua de sam mateus pera sam domingos”;   câmara “conferia grande importância” (Maria Teresa
           “do esterco des a fomte da froll atee as priuadas”, no   Campos Rodrigues, Aspectos da administração…, p. 57),
           Livro das Posturas Antigas…, pp. 1-6, 8-12, 15-17, 19,   sendo ainda confirmado pelos reis seguintes (ver supra,
           24-31, 41, 52, 55-56, 59, 67, 82, 87.      notas 27 e 67).


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