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FRAGMENTA HISTORICA                         Em torno do foral medieval da almotaçaria de
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           estabelecer, por carta de 1490, que os pesos e   nova decisão. Mas o vão acabou mesmo por
           as medidas fossem “afinados E marcados” pelos   ser fechado porque “a dicta janella era ffecta
           da capital, devendo ainda aplicar-se as “penas   em lugar oudioso por bem do quintal”, além
           comthiudas no Regimento da camara de lixboa   de que “em como o rregimento tal janella
           q[ue] ho dito garçia dauella lleuara” .    nom da lugar que sse em semelhante lugar
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           No ano seguinte, a propósito do custo das   se  ffaça”.  Permitiram,  contudo,  que  em  vez
           escrituras dos tabeliães  funchalenses  serem   da janela se fizesse uma “lucerna” (ou fresta)
           maiores  do  que  se  praticava  em  Lisboa,  o   alta com cerca de dois a três dedos de largura,
                                                                                     108
           duque acabou mesmo por afirmar que “todas   apenas para iluminar o compartimento . Ora,
           has  cousas  dessa  ylha  ham  de  ser  rregidas   as regras aludidas pelos oficiais funchalenses
           p[e]llas desta çidade” . Estaria a almotaçaria   lembram, claramente, os itens 21 e 29 do
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           contida nas “cousas” aludidas? Ainda que para   foral da almotaçaria de Lisboa, podendo-
           tal  resposta não existam provas irrefutáveis,   se, presumivelmente, pensar que este
           do que se sabe é que no ano camarário de   regulamento possa ter sido transmitido à vila
           1495-1496 os oficiais da câmara já se regiam   do Funchal, dentro do novo quadro regimentar
           por um “rregimento que o senhor duque nosso   enviado  pelo  duque  D.  Manuel.  Afinal,  este
           senhor ora aquj enuyou”, cabendo ao escrivão   mesmo D. Manuel, já como rei de Portugal,
           da  câmara  dar  os  traslados  dos  títulos  do   considerava que de Lisboa, por ser a cabeça
           regimento aos vereadores, procuradores, juízes   do reino, devia “sair todo boom emxenpro
           do  crime e  do cível, tesoureiro,  carcereiro,   pera toda llas çidades E villas dos ditos nossos
                                                                       109
           escrivão da almotaçaria e da câmara, e claro,   Regnos e Senhorios” .
           também aos almotacés. Estes últimos, como os   Também, por isso, uma grande parte da prática
           outros, receberam, então, “o sseu rregimento   governativa lisboeta foi transmitida a Goa, na
           esprito  em  porcamjnho” , e  dias  depois,   Índia. De facto, pelo “Tombo dos preuilegios
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           este regimento chegou mesmo a ser utilizado,   da cidade de Goa cabeça do staado da India,
           justamente, num litígio de casas.          a  qual  foi  tomada  aos  mouros  por  Affonso
           A contenda decorria por causa de uma janela   D’Alboqverq[ue]  no  anno  de  M.D.X.”,  quase
                                                                                    110
           que  Fernando  Álvares  tinha  feito  numa  sua   todo ele escrito entre 1570 e 1580 , entre
           parede sobre o limite do quintal de João   as várias cartas régias destaca-se a de 29 de
           Gonçalves.  Os  almotacés  tinham  já  mandado   novembro de 1519, que continha o “Regimento
           tapar a janela, mas o primeiro recorreu e, por   da gouernança dessa camara”. Este era
           isso, todos os oficiais da vereação deslocaram-  composto essencialmente pelo traslado de
           se ao local da contenda para proferir uma   vários conjuntos jurídicos em uso em Lisboa,
                                                      ou melhor, conforme resumiu o escrivão
           105   Cf.  doc.  134  e  doc.  145,  em  Tombo 1.º do registo   Nuno Fernandes que o fez: “estromento cõ os
           geral da Câmara Municipal…, vol. 16, pp. 225-226, 240-  trelados  do  Regimento  da  mesa  e  avereaçaõ
           244. Já antes, na sessão de vereação referida na nota   [sic], e Regimento dos tres vereadores, e como
           anterior, os oficiais da câmara tinham acordado em prol
           do comum que todas as medidas de pão, vinho, azeite,
           mel, panos de linho e de cor, e pesos fossem feitos pela   108  Cf.  Vereações da Câmara Municipal do Funchal,
           “ordenança  da  çydade  de  Lixboa”,  tendo  os  padrões   século XV…, pp. 371-372.
           sido enviados pelos oficiais lisboetas.    109  Cf. prólogo do “Regimento de Vereadores e Oficiais
           106  Cf. doc. 158, em  Tombo 1.º do registo geral da   da Câmara de Lisboa”, 1502, em A evolução municipal
           Câmara Municipal…, vol. 16, pp. 257-260.   de Lisboa, Pelouros e Vereações, coord. Maria do
           107  Cf.  Vereações da Câmara Municipal do Funchal,   Rosário Santos; Inês Morais Viegas, Lisboa, Pelouro da
           século XV…,  pp.  349-355.  A  3  de  setembro  de  1496,   Cultura, Divisão de Arquivos, Câmara Municipal, 1996,
           os  próprios  oficiais  acordaram  “por  boa  ordenaça   p. 147.
           ssegundo o rregimento de Lixboa que os jujzes do cjuel   110  Cf.  Archivo Portuguez-Oriental, Fasciculo 2.º -
           e os jujzes do crime e os vereadores e os almotaces”   Livro dos privilégios da cidade de Goa, Nova-Goa, Na
           trouxessem varas vermelhas com as quinas  do rei,   Imprensa  Nacional,  1857,  p.  3.  Nesta  publicação,  o
           sendo as dos almotacés mais curtas que as outras. Cf.   investigador  não  transcreveu  os  documentos  tal  qual
           Vereações da Câmara Municipal do Funchal, século   aparecem no Tombo, alterando-lhe a organização para
           XV…, p. 532.                               seguir a ordem cronológica.


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