Page 58 - 4
P. 58
FRAGMENTA HISTORICA Em torno do foral medieval da almotaçaria de
Lisboa
§ 46 Regras para o juízo sobre obras: Podia-se diferentes donos por piso, o dono do piso
utilizar o muro da cerca da cidade para superior não podia abrir vãos alinhados
encostar edifícios, os quais podiam ser com os vãos do piso inferior.
demolidos em tempo de guerra e de Deste elenco distinguem-se, então, regras
cerco. genéricas da instituição da almotaçaria (§§ 3
§ 47 Regras para o juízo sobre obras: Não a 5); regras específicas dirigidas aos oficiais
se podiam fazer vãos em paredes de da almotaçaria – seja para o provimento dos
edifícios contíguos ao quintal ou campo oficiais (§§ 1, 2, 45), seja para a atuação dos
de outrem. Porém, se alguém os abrisse oficiais nas ações de juízo (§§ 7 a 11, 20, 33,
e os vãos existissem por mais de um 39), seja ainda para a atuação dos oficiais na
ano e um dia, então, não se podia tapar execução ou manutenção das obras públicas (§
esses vãos, aquando da construção no 36) – mas, também, regras específicas dirigidas
quintal ou campo, devendo-se deixar às relações dos almotacés com os particulares
uma azinhaga de cinco pés, segundo – seja na tributação e na fiscalização das
direito comum , entre os vãos vizinhos atividades comerciais (§§ 6, 12 a 19, 34, 35),
55
e a parede nova. seja no ajuizamento das demandas originadas
§ 48 Regras para o juízo sobre obras: Num pela atividade construtiva (§§ 21 a 32, 37 a 44,
edifício com mais de um piso com 46 a 48).
Todavia, se se comparar o foral da almotaçaria
Esteves Correia apenas mencionaria o antigo costume com o referido códice do Archivo Real y
local, relatado na carta régia de 28 de janeiro de 1299 General de Navarra percebe-se que algumas
(ver supra, nota 44). das normas devem ter tido origem neste
55 O direito comum ou ius commune suportava-se
fundamentalmente nas fontes do direito romano volume, ou, então, em normas idênticas
justinianeu, assim chamado por derivar da compilação que estariam nos outros “liuros per que see
legislativa (composta por quatro volumes) efetuada reegem os almotaçees”, por não se saber nem
na época do imperador Justiniano I do oriente, no como, nem quando este códice foi levado
século VI. Redescobertos em Bolonha, no século XII, para tão longínquas paragens. Aliás, sobre
estes volumes (ainda que com uma sistematização
diversa da original) depressa se propagaram pelos este último documento importa ainda referir
reinos europeus, quer através da sua receção no direito que também ele é uma coletânea de normas
canónico, quer através do seu estudo nos novos Estudos jurídicas de almotaçaria, já que todos os fólios
Gerais, para o qual concorreram ainda as interpretações foram escritos pela mesma mão no século
e as sistematizações dos textos doutrinais. Guilherme
Braga da Cruz, “O direito subsidiário na história do XIV, apesar de conter posturas com datas
direito português”, in Revista Portuguesa de História, diferentes. Com efeito, ao título seguem-se 15
vol. 14, Coimbra, 1975, pp. 181-191. Mais complexa de itens aparecendo depois a primeira postura
esclarecer é a fonte jurídica do direito comum utilizada datada de julho de 1281 . Por isso, Francisco
56
para prescrever os cinco pés. Por esta razão, deixaremos
para outra oportunidade tal temática. Não obstante, José Veloso, no seu breve estudo introdutório,
o facto de parte desta norma derivar do direito considerou os primeiros itens como os mais
comum parece ajudar ao argumento de datar o foral antigos e necessariamente anteriores àquele
da almotaçaria de 1444. Apesar de existirem oficiais ano. Encontram-se ainda datadas mais
formados ou habilitados em direito civil na estrutura
concelhia, com maior incidência a partir da década de quatro posturas, sequencialmente, de 1314,
1370 (Mário Farelo, A oligarquia camarária de Lisboa…, 1324, 1316 e 1322 – o que permite situar a
pp. 197-206), só a partir de 1426 (ou seja, depois de compilação no reinado de D. Dinis –, além de
1406), é que a câmara de Lisboa passou a deter dois ter também sido inscrita, na capa do volume, a
volumes contendo “um extracto em vulgar do código
57
de Justiniano, acompanhado das glosas de Accursio e data de 1380 (era de 1418) .
dos comentários de Bartholo”, os quais tinham sido
enviados pelo próprio rei, para por eles se passarem a 56 Cf. § 17, nas Posturas do Concelho de Lisboa…, p. 47.
emitir as sentenças (Henrique da Gama Barros, História 57 Francisco José Veloso, “Apresentação”, em Posturas
da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a do Concelho de Lisboa…, pp. 7-10. Por lapso de
XV, 4 vol.s, Lisboa, Typographia da Academia Real das leitura da notação do valor de “x” nas datas de “mill
Sciencias, Lisboa, 1885-1922, vol. 1, p. 67). ccc.lxij” e “mill e ccc Lx”, Francisco José Veloso fê-las
58