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Lama Padma Samten – Nascendo no Lótus
aspirássemos que aquilo tivesse uma sobrevida, que aquilo andasse. Então criamos uma onda e a
sustentamos. Quando a nossa atividade principal é a sustentação dessa onda, a propagação,
repercussão dela e a nossa operação a partir dela, isso configura o início do samsara. O samsara surge
quando estamos ocupados com as ondas e esquecemos a liberdade original, cuja própria presença
desaparece. Percebemos que quando alguém vem até nós e diz: “Você está sofrendo, você poderia
estar fazendo outra coisa”, respondemos: “Você diz isso porque não está em meu lugar”. Esse é o
trabalho dos terapeutas, as pessoas chegam e o sofrimento delas é sério. Ainda que o sofrimento seja
real, porque sofrimento é isso mesmo, o terapeuta precisa retirar as bases de realidade daquilo e
colocar a pessoa numa outra condição, onde aquele sofrimento não tenha mais como se sustentar.
Às vezes as pessoas não querem isso, as pessoas chegam entrincheiradas no seu sofrimento e dizem:
“Enfim, alguma coisa real”. Quando nós falamos desse modo, algumas pessoas tentam localizar
alguma experiência muito horrível que não pode ser negada, então aquilo, enfim, é uma base
verdadeira! Mesmo que tudo seja assim, construído, não é completamente verdadeiro. Isso seria a
repescagem do samsara, o samsara tenta se reintroduzir como real, como sólido. O samsara surge
não quando estamos seguindo isso, mas quando ao seguir esse procedimento de sustentar essas
construções, nos esquecemos da experiência do lago, que é permanente.
Andar por dentro disso é a habilidade dos bodisatvas. Os bodisatvas geram a capacidade de andar no
meio de tudo isso, encontrando as pessoas. Mas os bodisatvas trazem o lago junto, eles trazem a
lucidez, a capacidade de ajudar o outro a parar e a reconhecer que ainda que a onda quebre sobre a
praia e seja absorvida pela areia, o lago segue. O lago é a experiência verdadeira daquele ser, não é a
onda. Esse lago da natureza primordial é o que os bodisatvas trazem. Então, na verdade o Budismo
não teria um método, seria apenas isso. Todo o resto é também uma artificialidade para nos permitir
andarmos no meio das nossas artificialidades. Se entendemos este ponto, isto nos cura do nosso
sofrimento, nos cura também do próprio Darma, dos ensinamentos provisórios do budismo, nos cura
dos 84.000 ensinamentos do Buda e dos 2.400.000 ensinamentos que surgiram posteriormente, este
é o ponto final. Todos os ensinamentos vão nos levando paulatinamente, nos arrastando até esse
ponto em que os mestres dizem assim: é tão simples, que é difícil de acreditar. Aí nós temos que
complicar um pouquinho! Então, chegamos a este ponto e vemos que a prática não é tão fácil assim.
Ou seja, quando entramos nas coisas elas simplesmente nos arrastam. Não temos, pelo menos de
imediato, essa capacidade de nos manter na compreensão e liberdade dessa natureza primordial,
mas ela esta lá. Uma medida do nosso poder pode ser o tempo que levamos para usufruir isso, pode
levar incontáveis éons. Estamos simplesmente reagindo às coisas (olhem os pequenos animais, os
seres, eles estão simplesmente reagindo à onda do momento). Olhem os seres humanos, eles
também estão reagindo às coisas que surgem. E aí, como fazer? Mesmo os seres que foram
introduzidos à natureza primordial, quando eles estão no seu cotidiano, não é uma coisa tão simples.
Frequentemente parece que a situação fica pior, eles são introduzidos e aí eles dizem: “Bom, eu sou
um fracasso completo, porque as coisas vêm e simplesmente me arrastam”. Começamos a perceber
como se tudo fosse um pouco pior, mas paulatinamente vemos que começamos a manifestar um
nível de liberdade. E esse é o ponto, é a meditação. Então a ignorância, a prisão no samsara, não se dá
pelo movimento dentro disso, ela se dá pelo esquecimento da natureza primordial enquanto nos
movimentamos dentro disso. Este movimento quando temos lucidez é a dança dos mestres em meio
ao mundo. Então se diz que os grandes bodisatvas são senhores da dança, eles se movimentam em
CEBB - Retiro Araras – maio 2009 8 / 43