Page 146 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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voltar.  Viu  também  que  o  dia  estava  no  fim.  Eram  três  horas  quando
                  começaram a comer, e os dias de inverno são muito curtos. Não contava
                  com  isso:  agora tinha  de  aproveitar  a  pouca luz que  restava. Levantou  a
                  gola e lá se foi, arrastando-se sobre o dique na direção da outra margem
                  (felizmente o dique estava muito menos escorregadio).

                         A coisa estava feia. Escurecia depressa e a neve dançava em flocos
                  em torno dele. Não via um palmo adiante do nariz. Ainda por cima, não
                  havia estrada. Afundava-se a todo instante em enormes fendas abertas na
                  neve,  patinhava  em  charcos  gelados,  tropeçava  em  troncos  caídos,
                  escorregando  por  encostas  íngremes,  esfolando  as  pernas  nas  pedras,  até
                  que  ficou  encharcado  até  os  ossos,  morto  de  frio  e  cheio  de  arranhões.
                  Tinha medo do silêncio e da solidão. Estou certo de que teria abandonado o
                  projeto e voltado para contar tudo e fazer as pazes com os outros, se, a certa
                  altura, não dissesse com seus botões: “Quando eu for o rei, minha primeira
                  medida  vai  ser  mandar  construir  estradas  decentes!”  Daí,  passou
                  naturalmente a imaginar-se rei, a pensar nas mil e uma coisas que haveria
                  de  fazer.  Sentiu-se  até  mais  animado.  Escolheu  o  tipo  de  palácio  que
                  mandaria construir; decidiu de quantos carros precisava; imaginou todos os
                  pormenores de seu cinema particular; estabeleceu por onde deviam passar
                  as  principais  linhas  de  estrada  de  ferro;  pensou  nas  leis  que  enviaria  ao
                  Parlamento contra os castores e as drogas de seus diques... Dava os últimos
                  retoques a algumas medidas indispensáveis para enquadrar Pedro, quando,
                  de  súbito, o  tempo  mudou.  Primeiro,  foi  a  neve que  deixou de  cair.  Em
                  seguida, veio um vento forte, acompanhado de intenso frio. Finalmente, as
                  nuvens  se  afastaram,  mostrando  uma  lua  cheia,  redondíssima,  que,
                  brilhando  sobre  a  neve,  deixou  tudo  tão  claro  como  se  fosse  dia.  Só  as
                  sombras faziam certa confusão.

                         Edmundo  nunca  teria  dado  com  o  caminho  se  a  lua  não  tivesse
                  surgido no momento em que ele chegou ao outro rio – você se lembra que
                  ele viu  (quando  chegaram  à  casa dos  castores pela  primeira  vez) um  rio
                  menor, afluente do rio grande mais abaixo. Agora, tendo chegado ao rio
                  menor, virou-se decidido a segui-lo. Mas o vale ao qual levava o rio era
                  muito mais íngreme e escarpado que o primeiro, e todo coberto de arbustos.
                  Às  escuras,  era  difícil  orientar-se  nele.  Mesmo  assim,  Edmundo  ficou
                  encharcado  até  os  ossos,  pois  a  todo  instante  tinha  de  abaixar-se  e
                  esgueirar-se  sob  os  ramos,  caindo-lhe  sobre  as  costas  montões  de  neve.
                  Cada vez que isso acontecia, sentia redobrar nele o ódio a Pedro, como se o
                  irmão fosse o culpado de tudo.

                         Ao fim de  muito tempo, conseguiu chegar a um lugar mais plano,
                  onde o vale se alargava. Do outro lado do rio, bem perto, no meio de uma
                  planície, entre duas colinas, viu o que devia ser a casa da feiticeira. O luar
                  estava mais belo do que nunca. A casa era de fato um pequeno castelo e
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