Page 231 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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abelhinha que entra pela janela aberta, qualquer um nessas condições só
pode fazer uma coisa: dormir.
Shasta acordou com um grande tinido. Saltou do divã de olhos
arregalados. Viu logo, pela luz diferente da sala, que dormira durante muito
tempo. Viu também de onde viera o tinido: um rico vaso de porcelana, que
antes estava no peitoril da janela, jazia no chão partido em trinta pedaços.
Mas não chegou a reparar nisso por mais de um instante. Reparou mesmo
foi nas mãos que se agarravam com força à janela, pelo lado de fora. Por
fim a janela emoldurou uma cabeça. Um momento depois um menino da
idade de Shasta sentava-se no parapeito, já com uma perna para dentro do
quarto.
Shasta jamais tinha visto o próprio rosto em um espelho. Mesmo que
o tivesse visto, não poderia ter imaginado que, em condições normais, o
outro menino era quase igualzinho a ele. Naquele instante, porém, o
menino não se parecia especialmente com ninguém, pois tinha uma mancha
preta de dar medo em torno de um olho, faltava-lhe um dente, e suas roupas
- que deviam ter sido uma beleza quando foram vestidas - estavam
esfrangalhadas e imundas, sem falar no sangue e na lama sobre as faces do
garoto, que apenas murmurou:
- Quem é você?
- Será você o príncipe Corin?
- É claro. Quero saber quem é você.
- Ninguém em especial. O rei Edmundo me pegou na rua, pensando
que eu fosse você. Devemos ser parecidos, acho. Dá para sair por onde
você entrou?
- Dá, se você for bom de muro. Por que tanta pressa? Quem sabe a
gente pode fazer uma boa brincadeira com a confusão deles?
- Não, não dá. Melhor a gente trocar de lugar imediatamente. Seria de
doer se o Sr. Tumnus nos encontrasse aqui. Fingi que era você. Esta noite
partirão daqui, em segredo... Onde você andou durante esse tempo todo?
- Um garoto da rua fez uma piada de mau gosto sobre a rainha Susana;
meti-lhe o braço. Saiu berrando e o irmão dele veio. Meti o braço no irmão.
Aí saiu um bando correndo atrás de mim até que apareceram três guardas
de lanças. Briguei com os guardas, e aí eles me meteram o braço. Já estava
anoitecendo. Um guarda me agarrou; ia me prender num lugar qualquer.
Perguntei se eles não queriam tomar uma jarra de vinho. Fomos para uma
taverna. Sentaram e beberam até dormir. Saí de fininho e aí encontrei o
primeiro garoto - o que começou toda a confusão - ainda querendo briga.
Tive de meter-lhe o braço de novo. Subi a uma caixa-d’água no telhado
duma casa e lá esperei deitado até hoje de manhã. O resto do tempo passei