Page 236 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Não sentiu dentes, nem garras, apenas uma coisa cálida pousada a
seus pés. Ao abrir os olhos, pensou: “Ora, não é tão grande assim! É a
metade. Menos da metade. Menos da metade da metade. Tenho de
confessar que é um gato! Sonhei, só posso ter sonhado com um bicho do
tamanho de um cavalo.”
Tendo sonhado ou não, o que estava a seus pés, fixando-o com
grandes olhos verdes, era o gato; talvez o maior gato do mundo, mas um
gato.
- Bichano - disse Shasta, ofegante. - Que bom vê-lo de novo! Tive
sonhos horrorosos! - Deitou-se outra vez, encostando as costas no gato.
Sentiu um calor percorrer-lhe o corpo e começou a falar:
- Nunca mais vou maltratar um gato. Já fiz, já atirei pedra num
gatinho doente quase morrendo de fome. Ei! Pare com isso! - O gato dera-
lhe uma unhada. - Parece que está entendendo o que digo. - E caiu no sono.
Ao acordar de manhã, o gato sumira; a areia já estava quente. Com
uma sede horrível, Shasta sentou-se e esfregou os olhos. O deserto reluzia
em silêncio, embora se ouvisse o murmúrio de vozes da cidade. Olhando
para as montanhas distantes, recortadas com nitidez, notou uma elevação
que, no alto, dividia-se em dois cumes; concluiu que era o Monte Piro. “É a
nossa direção, a julgar pelo que disse o corvo. Vamos adiantar o trabalho.”
Com o pé, fez um sulco em linha reta, apontando exatamente para o Monte
Piro.
Agora era arranjar alguma coisa para comer e matar a sede. Andou
ligeiro até as tumbas (que pareciam agora túmulos comuns, incapazes de
assustar alguém), indo até uma terra cultivada perto do rio. Algumas
pessoas andavam por ali, mas não muitas, pois as multidões já haviam
passado. Não foi muito difícil fazer o que Bri chamava de “incursão”.
Pulou um muro de pomar, e o resultado foram três laranjas, um melão, dois
figos e uma romã. No rio, mas não muito perto da ponte, matou a sede. A
água estava tão gostosa que ele tirou a roupa e deu um mergulho: aprendera
a nadar logo depois de aprender a andar. Estendeu-se na relva, olhando
para o esplendor e a glória de Tashbaan. Achando que os outros poderiam
ter chegado aos túmulos enquanto nadava, vestiu-se às carreiras e tão
depressa percorreu a distância, que o bem-estar do banho passou e sentiu
sede novamente.
Quando se espera sozinho, o dia parece ter cem horas. Tinha muito em
que pensar, é claro, mas pensar sozinho não faz o tempo andar mais
depressa. Pensou principalmente nos narnianos e em Corin. Que teria
acontecido ao descobrirem que o menino deitado no divã, ouvindo todos os
planos, não era Corin coisa nenhuma? E não gostava da idéia de que aquela
boa gente pensasse que ele fosse um traidor.