Page 235 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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Norte, como se espreitasse um inimigo. Shasta estendeu-se ao lado, dando
                  as  costas  para  o  gato  e  de  olho  nos  túmulos,  pois,  quando  se  está  com
                  medo, o melhor é olhar para o perigo e ter por trás algo firme em que se
                  possa confiar. Você não teria achado a areia confortável, mas Shasta estava
                  mais do que acostumado a dormir no chão. Não custou a pegar no sono,
                  embora até em sonhos continuasse querendo saber o que teria acontecido a
                  Bri, Aravis e Huin.

                        Foi despertado por um ruído diferente de tudo que já ouvira. “Deve ter
                  sido um pesadelo”, pensou. Percebeu que o gato infelizmente desaparecera.
                  Continuou, entretanto, quieto, sem abrir os olhos, pois o medo seria ainda
                  maior se avistasse e sentisse em torno a solidão. O ruído chegou de novo,
                  áspero e penetrante, vindo do deserto. Desta vez abriu os olhos e sentou-se.

                        A  lua  brilhava.  Os  túmulos,  que  pareciam  mais  vastos  e  mais
                  próximos, avultavam cinzentos ao luar. Pareciam mesmo horrendos, como
                  pessoas  enormes  vestidas  de  pardo  com  os  rostos  encobertos.  Não  eram
                  companhias nada simpáticas numa noite de solidão. Mesmo não gostando
                  muito, Shasta virou as costas para eles e olhou na direção do areai. Mais
                  uma vez ouviu o ruído.

                        “Chega de leões!” - pensou. Mas não parecia com o rugido dos leões
                  que ouvira naquela outra noite. De fato, era um chacal. É claro que Shasta
                  não  podia  saber  que  se  tratava  de  um  chacal,  e  não  ficaria  contente  se
                  soubesse.
                        Os uivos aumentavam. “Deve ser um bando, seja lá o que for. E está
                  cada vez mais perto.”

                        Se fosse um rapaz bem ajuizado, teria voltado para perto do rio, onde
                  estavam as casas, tornando mais improvável a aproximação de feras. Mas
                  teria  de  passar  pelos  túmulos,  onde  se  encontravam  (ele  pensava)  os
                  morcegos vampiros. Pode parecer idiotice, mas preferiu correr o risco das
                  feras. À medida, porém, que os uivos se aproximavam, mudou de idéia.

                        Estava  para  sair  em  disparada  quando  um  enorme  animal  surgiu  na
                  sua frente. Com a luz da lua nos olhos de Shasta, o bicho parecia muito
                  escuro,  mostrando  apenas  ter  quatro  pernas  e  uma  cabeça  peluda.  Não
                  parecia  ter  notado  o  menino;  parou  de  repente,  virou  a  cabeça  para  o
                  deserto e deu um rugido que ecoou pelos túmulos e pareceu agitar as areias.
                  Os  uivos  das  outras  criaturas  pararam  imediatamente,  e  Shasta  pensou
                  ouvir pés a fugir atropeladamente. Então a grande fera virou-se para ele.

                        “É um leão, sei que é um leão” - ele pensava.

                        - “Estou perdido! Deve doer muito. Antes já tivesse acabado. Não sei
                  se acontece alguma coisa depois que a gente morre. Ó, ó, está chegando!”.
                  Fechou os olhos e cerrou os dentes.
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