Page 324 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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telmarino?

                         – Pareço um telmarino?

                         – De qualquer modo, você é um homem.

                         – Acha que sou? – insistiu o doutor, numa voz mais grave, ao mesmo
                  tempo que deixava cair o capuz, descobrindo o rosto iluminado pelo luar.
                         Caspian  compreendeu  de  súbito  a  verdade,  espantado  de  não  ter
                  descoberto isso mais cedo. O doutor Cornelius era tão baixinho, tão gordo,
                  e tinha uma barba tão comprida! Dois pensamentos lhe acudiram. Um de
                  medo: “Não é um homem, é um anão e trouxe-me até aqui para me matar.”
                  O  outro  foi  de  grande  contentamento:  “Afinal,  ainda  há  anões,  e  vi  um
                  deles com os meus próprios olhos.”

                         – Adivinhou – disse o doutor. – Ou quase. Não sou um anão puro,
                  pois parte do meu sangue é humano. Muitos anões escaparam, depois das
                  grandes batalhas, e continuaram a viver, cortando a barba, usando sapatos
                  de tacão alto, fazendo-se passar por homens. A raça misturou-se com a dos
                  telmarinos. Sou um desses meio-anões; se algum dos meus parentes, algum
                  anão verdadeiro, ainda vivesse em qualquer parte do mundo, iria desprezar-
                  me  como  traidor.  No  entanto,  ao  longo  de  todos  estes  anos,  nunca
                  esquecemos  a  nossa  gente,  nem  qualquer  das  outras  felizes  criaturas  de
                  Nárnia, nem os tempos de liberdade há muito perdidos.

                         –  Sinto  muito,  doutor  –  disse  Caspian  – ,  sabe  que  não  foi minha
                  culpa...

                         – Não estou dizendo essas coisas para censurá-lo, estimado príncipe.
                  Há  de  perguntar  por  que  as  digo.  Pois  muito  bem!  Por  dois  motivos.
                  Primeiro:  porque  o  meu  velho  coração  está  cansado  de  guardar  esses
                  segredos. Segundo: para que um dia, quando o meu príncipe for rei, possa
                  ajudar-nos, pois sei que, embora telmarino, tem amor às coisas do passado.

                         – E é verdade – assentiu Caspian. – Mas como poderei ajudá-los?
                         – Você pode ser bom para aqueles que, como eu, ainda restam da
                  raça dos anões. Pode reunir à sua volta sábios e magos e procurar os meios
                  de  reanimar  as  árvores.  Pode  vasculhar  todos  os  esconderijos  e  lugares
                  inóspitos, onde talvez ainda vivam faunos e animais falantes.

                         –  Acha  que  ainda  existem  alguns?  –  perguntou  Caspian
                  ansiosamente.

                         – Não sei... não sei – disse o doutor, com um suspiro fundo. – Às
                  vezes chego a recear que não haja mais nenhum. Passei a vida procurando
                  os vestígios deles. Já me aconteceu julgar ouvir um batuque de anões nas
                  montanhas. Por vezes, nos bosques, pareceu-me vislumbrar faunos e sátiros
                  dançando. Mas, sempre que chegava ao local onde julgava tê-los visto, não
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