Page 327 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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– Mas os camareiros estão na sala!

                         – Dormem a sono solto e não acordarão tão cedo. Sou um mago sem
                  grandes poderes, mas os que tenho ainda chegam para provocar um sono
                  encantado.

                         De fato, os camareiros ressonavam alto, estendidos nas cadeiras. Sem
                  perda de tempo, o doutor Cornelius cortou o que sobrara do frango, pegou
                  algumas  fatias  de  carne  de veado,  pão, maçã  e  uma  garrafinha  de  vinho
                  bom, colocando tudo dentro do saco, que entregou a Caspian.

                         – Trouxe a sua espada? – perguntou o doutor.
                         – Trouxe – respondeu Caspian.

                         – Vista este manto e cubra também com ele o saco e a espada. Isso!
                  Agora vamos à Grande Torre, pois precisamos conversar.

                         Quando chegaram ao alto da torre (era uma noite enevoada), o doutor
                  Cornelius lhe disse:

                         – Nobre príncipe, tem de abandonar imediatamente o castelo e tentar
                  a sorte por este vasto mundo. Sua vida aqui corre perigo.

                         – Por quê? – indagou Caspian.
                         –  Porque  você  é  o  verdadeiro  rei  de  Nárnia:  Caspian  X,  filho  e
                  herdeiro de Caspian IX. Vida longa para o rei! – E, de repente, para grande
                  espanto de Caspian, o preceptor ajoelhou-se e beijou-lhe a mão.

                         – O que é isso? Não estou entendendo nada...

                         – O que me espanta – disse o doutor – é você nunca ter perguntado
                  por  que,  sendo  filho  do  rei  Caspian,  não  era  você  mesmo  o  rei.  Todos,
                  menos  você,  sabem  que  Miraz  é  um  usurpador.  Quando  começou  a
                  governar, não teve a coragem de apresentar-se como rei: intitulou-se apenas
                  príncipe regente. Mas então sua mãe faleceu, ela que fora tão boa rainha, a
                  única telmarina que me tratou bem. Um após outro, todos os nobres que
                  tinham  conhecido  o  seu  pai  foram  morrendo  e  desaparecendo.  Belisar  e
                  Uvilas foram atingidos por setas durante uma caçada: mero acidente, como
                  se divulgou. A grande família dos Passáridas foi para o Norte lutar com os
                  gigantes e por lá desapareceu. Arlian e Erimon foram condenados por alta
                  traição, sem sequer serem julgados. Os dois irmãos do Dique dos Castores
                  foram trancafiados como loucos. E, para terminar, Miraz convenceu sete
                  nobres de que, entre todos os telmarinos, eram os únicos que não temiam o
                  mar,  e  deviam  partir  para  o  Oceano  Oriental,  em  busca  de  novas  terras.
                  Nunca mais voltaram, é claro. Quando já não havia quem pudesse defender
                  o meu príncipe, os bajuladores pediram-lhe que se deixasse coroar rei: e ele
                  concordou, naturalmente.

                         – E ele quer me matar também? – perguntou Caspian.
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