Page 355 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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                         Susana  e  os  dois  meninos  estavam  exaustos  quando  dobraram  o
                  último cabo, iniciando a etapa final rumo ao Espelho d’Água. Os reflexos
                  na água e as longas horas ao sol tinham provocado em Lúcia uma tremenda
                  dor de cabeça. Até Trumpkin estava ansioso pelo fim da viagem. O banco
                  em que ia sentado junto ao leme fora feito para homens, e não para anões,
                  de modo que não chegava com os pés ao chão. E todo mundo sabe como é
                  incômodo  ficar  dez  minutos  sentado  com  os  pés  no  ar.  Quanto  mais
                  cansados,  mais  desanimados  ficavam.  Até  esse  momento,  só  tinham
                  pensado em como alcançar Caspian. Agora já imaginavam o que haveriam
                  de  fazer  quando  o  encontrassem  e  como  é  que  anões  e  criaturas  dos

                  bosques poderiam derrotar um exército de humanos.
                         Enquanto  contornavam  lentamente  as  baías  do  Espelho  d’Água,  o
                  crepúsculo  ia  descendo  –  crepúsculo  que  se  adensava  à  medida  que  as
                  margens se aproximavam e as copas das árvores se tocavam. O murmúrio
                  do mar morria à distância, e reinava uma calma tão perfeita que se ouvia o
                  deslizar dos fios de água que, vindos da floresta, se lançavam no Espelho
                  d’Água.

                         Finalmente pularam para terra, tão cansados que nem pensaram em
                  acender uma fogueira. Uma ceia de maçãs (embora não quisessem mais ver
                  maçãs na sua frente) parecia-lhes melhor do que caçar ou pescar. Comeram
                  em  silêncio  e  deitaram-se  sobre  o  musgo  e  as  folhas  secas,  entre  quatro
                  grandes árvores.

                         Não tardou que adormecessem todos, menos Lúcia. Como não estava
                  tão cansada quanto os outros, não conseguiu arranjar uma posição cômoda.
                  Além disso, tinha-se esquecido de que todos os anões roncam. Sabia que
                  para adormecer não há nada como deixar de se esforçar para isso; assim,
                  abriu os olhos. Por entre os ramos avistava apenas uma mancha de água e o
                  céu em cima. Então, numa vibração de memória, voltou a ver, depois de
                  tantos  anos,  as  estrelas  cintilantes  de  Nárnia.  Conhecera-as  antigamente,
                  melhor do que as estrelas do nosso mundo, porque, como rainha de Nárnia,
                  costumava deitar-se muito mais tarde do que como criança na Inglaterra. E
                  lá estavam elas agora. Distinguia pelo menos três constelações de verão: o
                  Navio, o Martelo e o Leopardo.

                         – Querido Leopardo! – murmurou, feliz.

                         Mas, em vez de adormecer, estava cada vez mais desperta... desperta
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