Page 356 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
P. 356

daquela forma estranha e sonhadora, como se está às vezes em plena noite.
                  E o Espelho d’Água brilhava cada vez mais. Embora não visse a lua, sabia
                  que se refletia nele. Lúcia começou a sentir que, com ela, toda a floresta
                  despertava.  Quase  sem  saber  o  que  fazia,  levantou-se  rapidamente  e
                  afastou-se um pouco.

                         – Que lindo!

                         O ar estava fresco, e no ar pairavam aromas deliciosos. Ali pertinho,
                  um  rouxinol  começou  a  cantar,  parou,  recomeçou.  Um  pouco  adiante
                  estava mais claro. Lúcia avançou para a luz e chegou a um lugar onde havia
                  poucas  árvores,  mas  muitas  manchas  de  luar.  O  luar  e  as  sombras
                  penetravam-se  de  tal  modo  que  se  tornava  difícil  dizer  onde  estava  uma
                  coisa  ou  a  outra.  Nesse  mesmo  instante,  o  rouxinol,  satisfeito  com  o
                  ambiente, rompeu em pleno canto.

                         Lúcia  foi-se  habituando  à  luz  e  via  agora  quase  distintamente  as
                  árvores mais próximas. Invadiu-a enorme saudade dos tempos em que as
                  árvores  de  Nárnia  falavam.  Sabia  exatamente  como  é  que  cada  uma
                  daquelas árvores falaria, se ela tivesse o poder de despertá-las, e que forma
                  humana assumiria. Olhou para uma bétula prateada: teria uma voz doce e
                  cascateante e seria uma mocinha esbelta, com longos cabelos esvoaçando à
                  volta  do  rosto,  e  que  gostava  de  dançar.  Olhou  depois  para  o  carvalho:
                  velhote, alegre, de cabelo grisalho e barba frisada, rosto e mãos cheios de
                  verrugas donde brotavam pêlos. Depois olhou para a faia, debaixo da qual
                  parará, e pensou que seria ela a mais bela de todas – uma deusa graciosa,
                  suave e imponente, a senhora dos bosques.
                         –  Oh,  árvores!  –  exclamou  Lúcia  (embora  sua  intenção  não  fosse
                  falar). – Vamos acordar, árvores! Não se lembram mais? Será possível que
                  não se lembram mais de mim? Dríades e hamadríades, acordem para falar

                  comigo!
                         Não soprava a mais leve aragem, mas as árvores estremeceram, e o
                  sussurrar das folhas era como um murmúrio de palavras. O rouxinol calou-
                  se.

                         Lúcia  sentiu  que  de  um  momento  para  outro  seria  capaz  de
                  compreender  a linguagem  das  árvores. Mas  esse  momento não  veio,  e o
                  murmúrio  foi-se  desvanecendo.  O  rouxinol  recomeçou  o  canto.  Embora
                  inundado de luar, o bosque perdera o encanto. Lúcia teve a sensação (tão
                  freqüente, quando se tem um nome ou uma data na ponta da língua e que
                  não se consegue lembrar) de ter perdido alguma coisa por um triz: como se,
                  por uma fração de segundo, tivesse dirigido o seu apelo às árvores cedo ou
                  tarde demais, ou como se tivesse proferido todas as palavras certas, menos
                  uma, ou tivesse acrescentado uma palavra errada.
   351   352   353   354   355   356   357   358   359   360   361