Page 426 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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porque está imaginando um navio a vapor, onde há sempre vento de frente.
                  Numa embarcação a vela o vento vem de trás, e qualquer coisa que deite
                  cheiro é colocada bem na frente.

                         Subiram à torre de combate, onde, à primeira vista, era aflitivo olhar
                  lá  embaixo  o  convés,  tão  pequeno  e  tão  longe.  Quem  caísse  dali,  tanto
                  podia cair dentro, no navio, como no mar. Depois foram levados à popa,
                  onde  Rince  e outro homem  estavam  de serviço na  grande  roda do  leme,
                  detrás  da  qual  o  dragão  erguia  a  cauda  de  ouro,  formando  um  pequeno
                  compartimento com um pequeno banco.

                         O navio chamava-se Peregrino da Alvorada. Era uma coisinha à-toa
                  se  comparado  aos  nossos  navios,  e  até  mesmo  às  galeras  que  havia  em
                  Nárnia na época em que Lúcia e Edmundo ali reinaram, pois quase toda a
                  navegação havia cessado com os antecessores de Caspian. Quando seu tio,
                  o usurpador Miraz, mandou os sete fidalgos para o mar, teve de comprar
                  um navio galmiano. Mas, agora, Caspian começara a ensinar aos narnianos
                  a ser de novo gente do mar, e o Peregrino era o mais bonito dos barcos que
                  mandara  construir, mas  tão  pequeno  que  quase não tinha  convés  entre  o
                  mastro principal e a escotilha, de um lado, e o galinheiro, do outro (Lúcia
                  deu de comer às galinhas). Em seu gênero, era uma beleza, como diziam os
                  marinheiros,  de  linhas  perfeitas,  cores  puras,  todos  os  pormenores  feitos
                  com amor.

                         Não agradava nada a Eustáquio, que não parava de contar vantagens
                  sobre  os  transatlânticos,  barcos  a  vapor,  aviões,  submarinos  (“Como  se
                  entendesse  qualquer  coisa  disso”  –  murmurou  Edmundo).  Mas  os  outros
                  dois estavam encantados com o Peregrino. Quando voltaram ao camarote
                  para  cear  e  viram  o  céu  todo  iluminado  com  um  imenso  pôr-do-sol,  e
                  sentiram o navio estremecer sob os pés, e o gosto de sal nos lábios, tudo
                  isso  aliado  à  perspectiva  de  terras  desconhecidas,  tiveram  tão  grande
                  sensação de felicidade, que Lúcia não conseguiu dizer uma palavra.

                         Quanto  ao  pensamento  de  Eustáquio,  é  melhor  sabermos  por
                  intermédio  de  suas  próprias  palavras;  pois  quando  lhe  devolveram  sua
                  roupa seca, na manhã seguinte, tirou do bolso um caderninho de capa preta
                  e  um  lápis  e  começou  a  escrever  um  diário.  Costumava  apontar  nesse
                  caderno inseparável suas notas de colégio. Não se interessava de fato por
                  nenhuma das matérias, mas adorava tirar boas notas e vivia perguntando a
                  todos:  “Quanto  você  tirou  em  Geografia?  Eu  tirei  nove!”  Como  não  era
                  provável que lhe dessem boas notas no Peregrino, resolveu iniciar o diário.
                  Eis o começo:

                         “7 de agosto. Se isso não é um sonho, já estou 24 horas neste barco
                  abaixo  da  crítica.  Durante  todo  esse  período  tem  feito  um  mau  tempo
                  insuportável (ainda bem que não costumo enjoar a bordo). Ondas imensas
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