Page 427 - As Crônicas de Nárnia - Volume Único
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avançam  constantemente  sobre  a  parte  da  frente  do  barco,  e  já  o  vi  em
                  perigo de ir ao fundo inúmeras vezes. Os outros fingem que não notam, ou
                  por fanfarronice, ou por fecharem covardemente os olhos aos fatos (como
                  Arnaldo afirma que fazem as pessoas medíocres). E uma autêntica loucura
                  vir  para  o  mar  em  uma  miserável  casquinha  como  esta.  Não  é  mais
                  espaçosa que um salva-vidas. O interior, claro, é de todo primitivo. Não
                  tem  um  salão,  nem  rádio,  nem  banheiros,  nem  poltronas.  Ontem  à  noite
                  levaram-me quase de rastos para ver o barco todo, e era de morrer de rir
                  ouvir Caspian gabar o seu barquinho como se fosse o Queen Mary. Ainda
                  tentei explicar-lhe como eram os barcos de verdade, mas é burro demais. E.
                  e L. não estão de acordo comigo. Acho que L. ainda não tem consciência
                  do perigo, e E. vive botando azeitonas na empada de C, como fazem todos
                  aqui. É chamado de rei. Disse-lhe que eu era republicano, e perguntou-me o
                  que vinha a ser isso!!! Acho que não entende nada de nada. É desnecessário
                  dizer que me puseram no pior camarote, um verdadeiro calabouço. À Lúcia
                  deram um camarote no convés, só para ela. Se o compararmos com o resto

                  do barco, dir-se-ia que é quase belo. C. diz que é por se tratar de uma moça.
                  Tentei  explicar-lhe  o  que  Alberta  sempre  diz,  que  esse  tipo  de  coisa
                  inferioriza  as  moças,  mas  não  conseguiu  entender.  Porém,  podia  bem
                  compreender que vou adoecer se continuar por mais tempo neste covil. E.
                  diz  que  não  devemos  queixar-nos  porque  o  próprio  C.  divide  o  quarto
                  conosco, cedendo o seu a L. Como se assim não ficássemos mais apertados
                  e numa situação ainda pior. Quase me esquecia de dizer que há também
                  aqui uma espécie de rato, que trata a todos com a mais incrível arrogância.
                  Os outros que o suportem, se quiserem; quanto a mim, dou-lhe um bom nó
                  na  cauda  na  primeira  em  que  se  meter  comigo.  A  comida  também  é
                  detestável.”
                         A questão entre Eustáquio e Ripchip estourou mais cedo do que se
                  esperava. No dia seguinte, antes do almoço, quando os outros já estavam
                  sentados  à  mesa  esperando  (o  mar  dá  um  apetite  excelente),  Eustáquio
                  entrou correndo, apertando uma das mãos e gritando:

                         –  Aquele  animal  quase  me  matou!  Exijo  que  seja  posto  sob
                  vigilância.  Eu  podia  intentar  uma  ação  contra  você,  Caspian.  Podia  até
                  exigir que executasse o rato!

                         Ripchip  apareceu,  espada  desembainhada,  bigodes  eriçados,  mas
                  cortês como sempre. Edmundo perguntou o que se passava.

                         –  Peço  perdão  a  todos,  e  especialmente  a  Vossa  Majestade
                  (referindo-se aqui a Lúcia). Se soubesse que ele se refugiara neste recinto,
                  teria esperado melhor ocasião para castigá-lo.

                         Acontecera  o  seguinte:  Ripchip,  que  nunca  achava  que  o  barco  ia
                  rápido o bastante, gostava de sentar-se na amurada, na cabeça do dragão,
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