Page 117 - Processos e práticas de ensino-aprendizagem
P. 117

pais não permitiam que as meninas estudassem nesse horário, à noite, fato esse que
               levou  muitas  meninas  da  região  a  cursarem  somente  até  a  4ª  série  do  ensino

               fundamental.
                      As  dificuldades  eram  imensas,  mas  na  época  nem  percebíamos,  era  somente

               aquela  realidade  como  referência.  Não  tínhamos  televisão,  aliás,  não  tínhamos  luz
               elétrica, que só chegou na década de 1990.

                      Eu só tive uma boneca na minha infância toda. A brincadeira que eu mais gostava
               dessa época era brincar de escolinha. Apesar de que o tempo para brincar era escasso,

               pois depois da escola, deveria ajudar os pais na lavoura. E as crianças estavam o tempo
               todo “na lida”, ou seja, trabalhavam na roça, independentemente da idade.

                       Ao  brincar de  escolinha  eu  era  professora  e  ao  mesmo  tempo  aluna de mim
               mesma. Um fato bem marcante dessa época, foi que enquanto eu brincava de escolinha,

               tinha alguns jovens que trabalhavam na lavoura junto com meu pai, que nunca haviam
               ido à escola. Lembro-me de que enquanto brincava de escolinha eu ensinava a esses

               jovens a escrever o próprio nome. Um deles se chamava José, aprendeu a escrever seu
               nome, depois quis escrever o nome da moça por quem estava apaixonado, aprendeu a

               escrever Márcia, queria escrever um bilhete de amor. Aprendeu a escrever “Eu te amo”,
               mas depois soube que ela também não sabia ler, e não teve mais tempo para aprender

               a  ler  ou  brincar  de  escolinha.  Essas  palavras  foram  as  únicas  que  José  aprendeu  a
               escrever.

                      Na  região  em  que  eu  nasci,  tinha  e  ainda  tem  uma  das  maiores  taxas  de
               analfabetismo do Estado, fica localizada no Vale da Ribeira, que por muitos anos foi tido

               como “vale da pobreza”. Falar desse contexto, é falar do analfabetismo da região, do
               baixo IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, da escola rural única, ou ia para essa

               escola ou não ia, pois não havia outra. Nessa escola havia somente 4 salas de aulas, e
               uma outra pequena em separado destinada à pré-escola. Não havia quadra, parquinho

               ou qualquer outro espaço educativo. Tinha uma pequena cantina onde era preparado os
               lanches e servido em filas para as crianças comerem em pé, ou sentados na beira da

               calçada da escola. Não havia espaço para as refeições ou lanche da escola. De manhã e
               tarde funcionava as 4 séries iniciais, à noite, a partir das 18 horas, funcionava as 4 séries

               finais do Ensino Fundamental.  A matemática era simples e a conta fechava. De todos os
               2 turnos dos anos iniciais, cabiam nas mesmas 4 salas dos anos finais, ou seja, a peneira,




                                                                                                       115
                       PROCESSOS E PRÁTICAS DE ENSINO-APRENDIZAGEM: HISTÓRIAS DE VIDA E DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
   112   113   114   115   116   117   118   119   120   121   122