Page 141 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
P. 141
atingiram o solo cinco andares abaixo, mas afundaram no monte de lixo acumulado ali. Pela
manhã, mais lixo seria atirado ali pelas janelas e, com sorte, cobriria tudo. Vito voltou para o seu
apartamento.
Vito tremia um pouco, mas estava completamente controlado. Mudou a roupa e, receando
que houvesse algum salpico de sangue nela, jogou-a numa tina de metal que sua mulher usava
para lavar roupa. Apanhou lixívia e sabão escuro grosseiro para pôr de molho a roupa e
esfregou-a com a peça especial de metal embaixo da pia. Depois esfregou a tina e a pia com
lixívia e sabão. Achou uma trouxa de roupa recém-lavada no canto do quarto de dormir, com a
qual misturou sua roupa. Em seguida, vestiu uma camisa e calças limpas e desceu para juntar-se
à mulher e aos filhos e vizinhos em frente da moradia.
Todas essas precauções foram inteiramente desnecessárias. A polícia, depois de descobrir o
cadáver ao amanhecer, nunca interrogou Vito Corleone. Na verdade ele ficou espantado de que
a polícia nada soubesse a respeito da visita de Fanucci à sua casa na noite em que ele foi
mortalmente baleado. Tinha contado com isso para um álibi, Fanucci deixando o seu
apartamento vivo. Soube apenas depois que a polícia estava satisfeitíssima com o assassinato de
Fanucci e não se preocupava em perseguir os assassinos. A polícia supunha que fosse outra
execução de alguma quadrilha, e interrogara os maus elementos com ficha de extorsionários e
carta de valentes. Como Vito nunca se havia metido em encrenca, jamais despertou qualquer
suspeita.
Mas se ele havia ludibriado a polícia, o mesmo não acontecia com relação a seus parceiros.
Pete Clemenza e Tessio o evitaram nas duas semanas seguintes, depois vieram visitá-lo uma
noite. Vieram com óbvio respeito. Vito Corleone saudou-os com uma cortesia impassível e
serviu-lhes vinho.
Clemenza falou primeiro. Disse brandamente:
— Ninguém está cobrando dos comerciantes da Nona Avenida. Ninguém está cobrando dos
jogos de cartas e outros jogos de azar da redondeza.
Viro Corleone olhou para os dois homens com firmeza, mas não respondeu.
— Podíamos tomar os fregueses. de Fanucci — acrescentou Tessio. — Eles nos pagariam.
Vito Corleone deu de ombros.
— Por que vir a mim? Não tenho interesse nessas coisas.
Clemenza deu uma gargalhada. Mesmo em sua juventude, antes que a sua enorme barriga
crescesse, ele tinha a gargalhada de um gorducho. Perguntou então a Vito Corleone:
— Onde está aquela arma que lhe dei para o serviço do caminhão? Como você não vai
precisar mais dela, pode devolvê-la a mim.
Lenta e calculadamente, Vito Corleone tirou uma bolada de notas de. seu bolso lateral e
destacou cinco notas de dez dólares.
— Tome aqui, eu lhe pago a arma. Joguei-a fora depois do serviço do caminhão.
Ele sorriu para os dois homens.
Por essa época Vito Corleone não conhecia o efeito enregelante de seu sorriso. Ele sorriu
como se tivesse dito alguma piada particular que somente ele mesmo pudesse compreender. Mas
como sorria desse modo somente em assuntos mortais, e como a piada não era realmente
particular e como seus olhos não sorriam, e como sua personalidade externa era geralmente tão
sensata e calma, o desmascaramento repentino de seu verdadeiro ego era assustador.
Clemenza balançou a cabeça.
— Não quero o dinheiro — retrucou.
Vito meteu as notas no bolso. E esperou. Eles todos se entendiam uns aos outros. Sabiam que
ele matara Fanucci, e embora jamais houvessem falado sobre isso a qualquer pessoa, toda a
redondeza, em poucas semanas, também sabia. Vito Corleone era tratado como um “homem de
respeito” por todo mundo. Mas não fez qualquer tentativa para tomar conta das extorsões e
tributos cobrados pelo falecido Fanucci.