Page 146 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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Vito  não  queria  que  os  seus  dois  caporegimes  tivessem  oportunidade  de  conspirar  contra  ele,
  embora também compreendesse que não havia má vontade nisso, era apenas uma precaução
  tática. Em troca, Vito deu a Tessio plena liberdade de ação no Brooklyn, enquanto conservava o
  feudo do Bronx, de Clemenza, muito mais sob o seu próprio domínio. Clemenza era o homem
  mais valente, mais arrojado, mais cruel, apesar de sua jovialidade externa, e precisava de um
  controle mais severo.
    A Grande Depressão aumentou o poder de Vito Corleone. E na verdade foi por essa época
  que ele passou a ser chamado de Don Corleone. Em todas as partes da cidade, homens honestos
  solicitavam  trabalho  honesto  em  vão.  Homens  orgulhosos  rebaixavam  a  si  mesmos  e  as  suas
  famílias para aceitarem a caridade oficial de um funcionalismo insolente. Mas os homens de
  Don Corleone andavam pelas ruas de cabeça erguida, com os bolsos abarrotados de dinheiro.
  Sem qualquer medo de perder o emprego. E até Don Corleone, o mais modesto dos homens não
  podia deixar de sentir um pouco de orgulho. Ele estava cuidando de seu mundo, seu povo. Não
  havia faltado àqueles que dependiam dele e que lhe deram o suor do seu rosto, arriscaram sua
  liberdade e sua vida trabalhando para ele. E quando um empregado dele era preso e mandado
  para a prisão por qualquer infortúnio a família desse homem recebia uma mesada e não era uma
  esmola — miserável, mesquinha — dada de má vontade mas a mesma quantia que o homem
  ganhava quando solto
    Isso naturalmente não era pura caridade cristã. Nem seus melhores amigos chamariam Don
  Corleone de um santo do céu. Havia um interesse oculto nessa generosidade. Um empregado
  mandado à prisão sabia que tinha apenas de manter-se calado para que a sua mulher e filhos
  recebessem os cuidados necessários. Sabia que se não informasse à polícia seria calorosamente
  recebido quando saísse da prisão. Haveria uma festa esperando por ele em sua casa, a melhor
  comida, ravióli, vinho e pastéis, tudo feito em casa, com todos os amigos e parentes reunidos para
  festejar a sua libertação. E às vezes durante a noite o consigliori Genco Abbandando, ou talvez o
  próprio Don Corleone, fazia uma rápida visita para apresentar os seus respeitos a esse homem tão
  corajoso, tomava um copo de vinho em sua honra e deixava um belo presente em dinheiro, a fim
  de que ele pudesse gozar uma semana ou duas de folga com a família antes de retornar à sua
  faina diária. Tal era a infinita piedade e compreensão de Don Corleone.
    Foi por essa época que Don Corleone concebeu a idéia de que dirigia o seu mundo muito
  melhor  do  que  os  seus  inimigos  dirigiam  o  mundo  maior  que  continuamente  obstruía  o  seu
  caminho.  E  esse  sentimento  era  alimentado  também  pela  gente  pobre  da  redondeza  que
  constantemente lhe vinha pedir ajuda. Para conseguir um auxílio da previdência social, arranjar
  emprego para um rapaz ou tirar outro da cadeia, para tomar emprestada uma soma de dinheiro
  desesperadamente  necessitada,  para  intervir  junto  aos  senhorios  que  contra  todas  as  razões
  exigiam aluguel dos inquilinos desempregados.
    Don Vito Corleone ajudava todos eles de boa vontade, com palavras de estímulo para tirar o
  gosto amargo da caridade que lhes fazia. Era portanto natural que quando esses italianos estavam
  atrapalhados ou confusos sobre quem votar para representá-los no legislativo estadual, nos cargos
  municipais, no Congresso, pedissem o conselho do amigo Don Corleone, Padrinho deles. E assim
  ele se tomou um poder político a ser consultado pelos chefes de partido práticos. Consolidou esse
  poder  com  uma  inteligência  de  estadista  de  longo  alcance;  ajudando  rapazes  brilhantes  de
  famílias  italianas  a  freqüentar  faculdades,  rapazes  que  se  tornariam  advogados,  promotores
  públicos e até juízes. Planejava o futuro do seu império com toda a previsão de um grande líder
  nacional.
    A revogação da Lei Seca representou um golpe tremendo para o seu império, mas outra vez
  ele tomara suas precauções. Em 1933, enviou emissários para o homem que controlava todas as
  atividades de jogo de Manhattan, o jogo de dados nas docas, a agiotagem, a aceitação de apostas
  clandestinas em esportes e  corridas  de  cavalos,  as  casas  que  mantinham  o  jogo  de  pôquer;  a
  política  ou  a  extorsão  das  fábricas  de  roupas  feitas  do  Harlem.  O  nome  desse  homem  era
  Salvatore  Maranzano,  sendo  ele  um  dos  reconhecidos pezzonovanti,  chefões,  figurões  do
  submundo  de  Nova  York.  Os  emissários  de  Corleone,  com  sua  organização,  sua  política  e
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