Page 19 - O Poderoso Chefao - Mario Puzo_Neat
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emoção.
Don Corleone, como que contra a sua própria vontade, fez um gesto de compaixão, e
Bonasera retomou a palavra, a sua voz denotando grande sofrimento,
— Porque chorei? Ela era a luz de minha vida, uma filha carinhosa. Uma garota bonita.
Confiava nas pessoas e agora jamais confiará nelas novamente. Jamais será bonita novamente.
Ele tremia, seu rosto pálido apresentava uma horrenda cor vermelho-escura.
— Procurei a polícia como um bom americano. Os dois rapazes foram presos, levados a
julgamento. As provas eram esmagadoras e eles confessaram. O juiz Condenou-os a três anos de
prisão e suspendeu a sentença. Foram soltos nesse mesmo dia. Fiquei no tribunal com cara de
idiota e esses patifes riram de mim. Então eu disse à minha mulher: “Devemos ir a Don Corleone
para obter justiça.”
Don Corleone curvara a cabeça para mostrar respeito pela desgraça do homem. Mas,
quando ele falou, as suas palavras denunciavam uma frieza de dignidade ofendida.
— Por que você foi à polícia? Por que não veio a mim no começo desse negócio?
Bonasera murmurou de modo quase inaudível:
— O que quer o senhor de mim? Diga-me o que deseja. Mas faça o que estou pedindo.
Havia alguma coisa quase insolente em suas palavras.
Don Corleone perguntou solenemente:
— E o que é que você quer que eu faça?
Bonasera olhou para Hagen e Sonny Corleone e balançou a cabeça. Don Corleone, ainda
sentado na escrivaninha de Hagen, inclinou o corpo na direção do agente funerário. Bonasera
hesitou, depois curvou-se e pôs os lábios tão perto da orelha cabeluda de Don Corleone que
chegaram a tocá-la. Don Corleone ouvia como um padre no confessionário, olhando atentamente
para longe, impassível, distante. Permaneceram assim por um longo momento até que Bonasera
terminou de sussurrar e endireitar o corpo. Don Corleone olhou seriamente para Bonasera. Este,
com o rosto enrubescido, olhou por sua vez firmemente para Don Corleone.
— Isso não posso fazer — falou, finalmente, Don Corleone. — Você está querendo ir muito
longe.
— Pagarei o que o senhor pedir — disse Bonasera em voz alta e clara.
Ouvindo isso, Hagen recuou, dando uma pancadinha nervosa na cabeça. Sonny Corleone
cruzou os braços, sorrindo sarcasticamente à medida que voltava da janela para observar a cena
na sala pela primeira vez.
Don Corleone ergueu-se de trás da escrivaninha. Seu rosto ainda permanecia impassível,
mas a sua voz soava como morte fria.
— Nós nos conhecemos há muitos anos, você e eu — disse ele ao agente funerário — mas
até o dia de hoje você nunca tinha vindo a mim pedir conselho ou ajuda. Não me lembro da
última vez que você me convidou a tomar um café em sua casa, embora a minha mulher seja
madrinha de sua única filha. Vamos ser francos. Você rejeitou minha amizade. Você tinha medo
de me dever alguma coisa.
— Eu não queria envolvê-lo em dificuldades — murmurou Bonasera.
Don Corleone levantou a mão.
— Não. Não fale. Você achava a América um paraíso. Você tinha um bom negócio, tinha
uma vida boa, pensava que o mundo era um lugar inocente onde você poderia obter o prazer que
desejasse. Você nunca se cercou de amigos verdadeiros. Afinal de contas, a polícia o guardava,
havia tribunais de justiça, você e os seus não podiam sofrer mal algum. Você não precisava de
Don Corleone. Muito bem. Meus sentimentos achavam-se feridos, mas não sou desse tipo de
pessoa que força a sua amizade àqueles que não dão valor a ela — àqueles que não me levam
muito em conta.
Don Corleone fez uma pausa e apresentou ao agente funerário um riso irônico e cortês.
— Agora, você vem a mim e diz: “Don Corleone, faça justiça.” E você não pede com